São Paulo, quarta, 20 de janeiro de 1999

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Ford: agora vemos saída


Havendo vontade política, saberemos encontrar alternativas que permitam à Ford reverter as demissões


LUIZ MARINHO

A partir desta semana a economia brasileira tem de mudar. A correção no câmbio, apesar de atrasada e desastrada, abre caminho para a queda dos juros e retomada do crescimento. Mais urgente do que fazer o balanço dos prejuízos e responsabilizar os mentores desse modelo que deixou o Brasil bem perto da falência é tomar atitudes para salvar o que ainda não foi destruído.
O impasse com a Ford no ABC torna-se, nesse novo cenário, um tema de relevância política nacional e oferece chances para saídas, recuos e soluções flexíveis que demonstrem a capacidade de todos nós, principalmente dos atuais governantes, de aprendermos com os próprios erros. Aí estão, lado a lado, a possibilidade de se concretizar a demissão de mais 2.800 trabalhadores ou a descoberta de saídas que sirvam como sinal positivo de correção de rumos.
Todos já estão mais ou menos informados sobre o que se passa. Em 18 de dezembro, a montadora informou ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que a partir de 4 de janeiro estariam demitidos 2.800 funcionários da unidade de São Bernardo, o equivalente à absurda cifra de 41% do efetivo.
Nessa decisão, a empresa encavalou erros e desmandos. É espantoso que uma empresa do porte da Ford não veja os prejuízos que causa à própria imagem quando demite quase a metade dos seus empregados, assustando compradores, que ficam inseguros e optam por outra marca. Também é inaceitável que a Ford não tenha aproveitado nenhuma vírgula das difíceis e engenhosas negociações que fizemos recentemente com a Volkswagen do Brasil, trazendo como saldo a suspensão de 7.500 demissões.
Apesar de toda essa truculência, não perdemos a capacidade de raciocinar com objetividade e reconhecer que as dificuldades de venda alegadas pela empresa não representam um blefe.
Do lado dos trabalhadores, restaram poucas alternativas. No dia 4, por unanimidade, os 6.800 companheiros da Ford decidiram não aceitar de modo algum a decisão da empresa, nascendo naquele dia um dos mais emocionantes movimentos de resistência da classe trabalhadora brasileira nos últimos tempos. Original em muitos aspectos, o movimento consiste na decisão dos demitidos de seguir comparecendo ao emprego, exigindo trabalhar, exigindo o direito de construir riquezas.
Todos estão conscientes de que uma resistência desse tipo exige estarmos preparados para uma luta longa. Mais ainda: que só conquistaremos um recuo da empresa se sensibilizarmos as lideranças políticas do país para uma soma de esforços.
Daí a nossa decisão de buscar o apoio dos prefeitos da região e de vários governadores, entre eles Covas, Itamar, Garotinho e Olívio Dutra. Daí a nossa decisão de dialogar com o ministro Dornelles, de levar a questão ao Congresso Nacional e de falar com o próprio Antonio Carlos Magalhães, cujo peso político ninguém pode subestimar e que se revelou francamente interessado em ajudar.
Como instrumento para tal recuo temos propostas concretas, que não teríamos se fôssemos um sindicato interessado unicamente em exercer a crítica do atual modelo e garantir direitos corporativos. Portadores de um projeto diferente de nação, temos demonstrado, principalmente a partir da câmara setorial de 1992, nossa capacidade de oferecer saídas que defendam os interesses de nossa categoria sem ferir a prioridade dos interesses da sociedade brasileira como um todo.
Um instrumento concreto para esse recuo da Ford pode estar no Programa de Renovação da Frota Nacional de Veículos, que apresentamos ao Brasil durante a Maratona em Defesa do Emprego, realizada em nosso sindicato no dia 13 de novembro. Outro instrumento, esboçado pelo ministro Dornelles e pelo senador Antonio Carlos Magalhães, pode ser encontrado em alguma redução emergencial do IPI para desovar os estoques atuais das montadoras, o que na prática significará aumento de arrecadação, e não renúncia fiscal.
Havendo vontade política e disposição de conversar, saberemos encontrar inúmeras alternativas de saída que permitam à Ford reverter as demissões, com ganhos para a própria empresa, para a região do ABC, para a economia como um todo e para os próprios cofres públicos.
Nenhum trabalhador da Ford prefere o prolongamento do conflito a uma solução digna. Mas o volume de solidariedade que o movimento vem recebendo, que inclui ocupações pacíficas de concessionárias da marca em vários Estados, que passará a atingir as igrejas no próximo fim-de-semana, que trará novas manifestações de rua nos próximos dias e que vem recebendo cobertura honesta e favorável da imprensa, anima-nos, fortalece-nos, encoraja-nos e traz a convicção de que, mais cedo ou mais tarde, a empresa cairá na sensatez de reabrir as negociações para achar uma saída totalmente oposta ao corte anunciado.


Luiz Marinho, 39, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.




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