São Paulo, quarta, 20 de janeiro de 1999

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O inaceitável desperdício da inatividade


A diretriz básica é visível facilmente: investir na melhoria da produtividade da pequena propriedade


JOÃO CARLOS DE SOUZA MEIRELLES

Em dez anos, São Paulo eliminou um terço dos empregos no campo, segundo revela o Censo Agropecuário divulgado no final de dezembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em todo o Brasil, foram extintos mais de 5 milhões de vagas na agricultura, caindo o contingente desses trabalhadores de 23,3 milhões em 1985 para 17,9 milhões em 1995. Nesses três últimos anos, a situação, se mudou, foi para pior.
Esse é, dos reflexos da globalização da economia, o que merece mais atenção, pois a face mais visível desse processo até agora tem sido a de hiperconcentração de renda e, e em determinados países, em contraponto, a crescente pobreza de muitos. O desemprego é causa e efeito disso tudo. Não por outra razão, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse aos presidentes dos países do Mercosul, no primeiro encontro após a posse no segundo mandato, que, mesmo sendo a globalização "um fato de nosso tempo" que se propaga "às vezes para o bem, às vezes para o mal", seria "irresponsável não buscar mecanismos para fazer dela fator de promoção do que realmente é um valor: o crescimento econômico e social dos povos".
Quando se analisam os riscos da propagação desse movimento de globalização, o que acontece no setor rural deve ser considerado com prioridade. É no campo que o desemprego, a marca inequívoca dos nossos tempos, atinge maior número de pessoas despreparadas para a maioria das funções requeridas pela economia globalizada, que, portanto, ficam ainda mais marginalizadas. Mas é verdade, também, que está no campo a fronteira para a mais rápida e eficiente expansão econômica.
Em nenhum outro segmento de atividade se consegue, como no agronegócio, oferecer a baixo custo oportunidades de emprego capazes de fixar o trabalhador rural e urbano em sua região, com reflexos positivos na receita fiscal e geração de divisas. Dados internacionais indicam que um emprego criado no campo gera mais três na cadeia produtiva.
Essa deve ser, portanto, a via pela qual se fará a inserção da agropecuária no mercado globalizado, observando-se o conceito de agronegócio compreendido nas cadeias produtivas. Nesse cenário, poderá ser substancial e rapidamente alterado o quadro atual, em que mais da metade das pessoas que vivem no meio rural brasileiro está abaixo da linha da pobreza.
Estudo encomendado pelo governo federal indica preliminarmente que 18.756.494 de brasileiros (os 3,4 milhões de famílias de pequenos proprietários, meeiros, parceiros, assalariados e trabalhadores sem remuneração deste país) não ganham mais de 25% do salário mínimo. O Brasil precisa resgatar esse pessoal para a produção e precisa, urgentemente, estabelecer a ação política de recuperação desse contingente.
A diretriz básica é visível facilmente: investir na melhoria da produtividade da pequena propriedade, para obter produtos competitivos e de qualidade, dinamizando o setor rural de pequenas e médias cidades e irradiando sua produção para os centros urbanos, que serão os consumidores.
Eric Hobsbawm, historiador britânico, em recentes declarações, considerou que um dos riscos atuais da humanidade é "ter o capitalismo perdido seu sentimento de medo e aceitar níveis de desigualdade antes não tolerados". E advertiu que podem nascer mobilizações universais com uma base comum, formada por insegurança quanto ao emprego, incerteza sobre a saúde, aposentadoria e educação das novas gerações. Por isso, recomenda a retomada da união entre o "controle público e o livre mercado".
John Kenneth Galbraith, economista canadense naturalizado norte-americano, prevê o inexorável avanço da globalização, mas adverte contra um "internacionalismo insensato que sacrifique as conquistas sociais" e também faz sua recomendação: "É preciso haver, acima de tudo, uma rede de segurança eficaz aos que vivem nos limites inferiores do sistema ou abaixo deles. Isso é humanamente essencial e também necessário para a liberdade humana. Nada estabelece limites tão rígidos à liberdade de um cidadão quanto a absoluta falta de dinheiro".
Nesse contexto, é "inaceitável o desperdício social da inatividade", como diz o economista, e é esse um dos princípios básicos que levaram o Fórum Nacional dos Secretários de Agricultura, reunido em dezembro, a definir o agronegócio como a alternativa mais viável para o desenvolvimento econômico, capaz de resolver o problema da ocupação com a exploração das vocações agronômicas e zootécnicas próprias de cada região, de forma que leve à máxima viabilização econômica, pela integração das cadeias produtivas. Essas cadeias, agregando o máximo de valor ao produto, dinamizam a atividade local integrada regionalmente, o que amplia as fronteiras do desenvolvimento dentro do necessário crescimento sustentado.


João Carlos de Souza Meirelles, 63, pecuarista e colonizador, é secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.




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