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JOSÉ SARNEY
Carnaval, Caminha
e mercado
O Carnaval passa ao largo do
mercado e da globalização, pois
não depende deles. Se os bolsos ficarem vazios, é a Bolsa que fica ameaçada. Carnaval não influencia a taxa de
juros, não a baixa nem a sobe. Assim,
nada de preocupações; que seja a alegria.
As queixas procedentes vêm dos
saudosistas -e eu talvez seja um deles-, todas na direção de que o Carnaval modernizou-se, perdeu a autenticidade do passado. Acabaram os
pierrôs apaixonados e as colombinas
para surgir o biquíni e o peladão. Maravilha das maravilhas! Isso é o progresso. O mesmo que tirou de moda o
tomara-que-caia, a ceroula, o cabeção,
o espartilho e colocou as liberdades de
Gisele Bündchen.
Qual é a origem do Carnaval? Uns,
querendo colocar sabedoria, dizem
que sua origem está nas saturnais romanas, festas bem moderninhas em
que se celebrava a entrada da primavera de maneira bem exuberante. Falam que ele veio de um tal carro-naval,
que nada mais era do que um navio de
rodas, cheio de marinheiros que cantavam canções obscenas nas ruas da
Grécia antiga nas mudanças de estação.
Melhor imaginação tiveram aqueles
que dizem ser estas festas e alegrias
necessárias à preparação do corpo para o jejum da Quaresma. Os italianos
chamavam esse tempo de "carne! vale!", carne, vá em frente, caia na gandaia. Outros exegetas colocam nas
costas da igreja a responsabilidade da
palavra Carnaval e a atribuem ao santo papa Gregório, o Grande, que chamou o domingo anterior à Quaresma
de "dominica ad carnes levandas", isto é, o domingo de sublimação da carne. O nome pegou por portas e travessas para Carnaval. Relembrava uma
velha definição dos três dias antes da
Quaresma, em que monges medievais
davam-se a muitas liberdades, comiam e bebiam etc. e tal para resistir
às tentações no tempo quaresmal. E
alegavam que assim faziam imitando
os camelos antes de atravessarem o
deserto.
O Carnaval, na Espanha, só termina,
como na Bahia, no domingo depois da
Quarta-Feira de Cinzas. Perdão! Na
Bahia, não termina nunca. Em Veneza, começa no Dia de Reis e lá vai
aquela coisa chata de gôndolas e bandolins.
Lembro essas coisas para dizer que o
Carnaval não é nada disso. Ele nasceu
no Brasil, sem primavera, nem saturnais, nem o papa Gregório. O Carnaval brasileiro tem origem e cultura
próprias. Sua certidão de nascimento
é a carta de Pero Vaz de Caminha
quando descreve o descobrimento. A
chegada logo se transformou no primeiro carnaval, os índios na praia, de
"carapucinhas vermelhas", "contas
amarelas", pintados e de maracá, os
portugueses batendo tambor, todos
bebendo, dançando e caindo numa
bruta gandaia. Temos até o nome do
primeiro folião, Diogo Dias, que tocava gaita, "homem gracioso e de prazer", que comandava a folia. A diferença é que era Páscoa, mas, na Bahia,
todo tempo é bom de Carnaval.
A globeleza, que se pensa ser criação
de hoje, já estava lá. E não era uma só,
eram muitas. Diz Caminha que as índias participavam da festa e eram
"bem moças e bem gentis, com cabelos mui pretos e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas de
cabeleiras que, de muito as olharmos,
não tínhamos nenhuma vergonha".
Enquanto isso, nas nossas rádios,
comandantes encarregados do policiamento já dão instruções ao povo:
"Não beba. Se beber, não dirija. Leve
só a roupa do corpo". E, finalmente,
"não perca seu bloco e use a camisinha".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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