São Paulo, sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Restauração burocrática
EDUARDO GRAEFF
Para continuar ou mudar os rumos da reforma iniciada por Luiz Carlos Bresser Pereira, o governo Lula teria que enfrentar questões como: 1) levar adiante, com eficiência, a descentralização de funções administrativas da União para os Estados e municípios; 2) idem a participação da sociedade civil, incluindo empresas e ONGs, na execução de obras e políticas públicas; 3) aplicar mais e melhor as tecnologias de informação, para dar eficiência e transparência à gestão pública; 4) generalizar os processos de avaliação e ligá-los a incentivos e sanções efetivas, para melhorar o desempenho da máquina. O governo não divulgou até agora nenhum papel ou discurso que dê sua visão geral dessas questões. E o que se filtra de ações e declarações pontuais são sinais de retrocesso. Retrocesso na descentralização. Em educação, por exemplo, com a retenção de parcela do salário-educação para o governo federal comprar e distribuir uniformes. Ou em infra-estrutura, com a exigência de que os Estados submetam ao governo seus projetos para aplicação dos recursos da Cide. Ficou meio esquecida a idéia da ex-ministra Benedita da Silva de criar escritórios federais de assistência social pelo país afora. É bom conferir se, na surdina, a idéia não anda. Seja como for, o governo tem dado sinais de que vai buscar formas de contornar os Estados na execução dos programas sociais de potencial eleitoreiro. Retrocesso na divisão de atribuições com a sociedade. A crítica do governo à terceirização ecoa a fúria dos sindicatos, para os quais a contratação de funcionários parece um prêmio de consolação: se não tem aumento de salário, pelo menos trocam-se os terceirizados por estatutários de carteirinha, revigorando a noção de monopólio estatal das funções públicas. Em infra-estrutura, enquanto a mão direita do governo acena para os empresários com as Parcerias Público-Privadas, a esquerda passa o trator sobre as agências reguladoras e faz uma opção reestatizante no setor elétrico. Na área social, Zilda Arns andou vocalizando o mal-estar de milhares de ONGs com as práticas aparelhistas-centralistas do PT, que ameaçam sufocar formas das mais promissoras de participação social e democratização do Estado. Retrocesso no governo eletrônico. Enquanto se entretinha com idéias (até interessantes) sobre software livre, o governo levou um ano patinando na tarefa prosaica de unificar os cadastros de beneficiários dos programas de transferência de renda. E os navegantes mais atentos começam a notar a degradação da informação disponibilizada pelos ministérios na internet. Retrocesso na avaliação. Se não é o "companheirismo" partidário-sindical, é a necessidade de acomodar aliados que serve de desculpa para o loteamento irrestrito da máquina, em detrimento da exigência de desempenho, inclusive de ministros. A tentativa de acabar com o Exame Nacional de Cursos (Provão) é emblemática do horror corporativista à avaliação objetiva do desempenho das instituições estatais. O projeto de lei que permitiria generalizar e dar conseqüência à avaliação de desempenho dos funcionários, obstruído pelo corporativismo na legislatura anterior, continua marcando passo na Câmara, à espera de "revisão" pelo governo. Em suma, se agora falam em reforma, o que se vê na prática é um processo lento, mas progressivo, de restauração burocrática, que dá vida nova às piores tradições patrimonialistas do Estado brasileiro. Eduardo Graeff, 54, sociólogo, foi assessor parlamentar e secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ives Gandra da Silva Martins: A falácia do controle externo Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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