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JOÃO SAYAD
Tolerância
Os Estados Unidos são o único
país do mundo em que se tenta
proibir o ensino da teoria da evolução.
Em 1925, os "creacionistas" se opunham à teoria porque contradizia a interpretação literal do Gênesis. Atualmente, alegam que os professores de
ciências fazem insinuações sobre a
inexistência de Deus. Exigem que se
apresente a teoria do "intelligent designer", um projetista inteligente
(Deus?) que explicaria o sentido da
evolução.
Para nosso desespero, não é possível
demonstrar logicamente que o mundo tenha sentido ou um projetista inteligente. Nem demonstrar que Deus
não existe.
A polêmica está limitada a alguns estados americanos do sudoeste e do
sul. No resto do pais e no mundo inteiro, religião e ciência são campos paralelos, que fazem perguntas e oferecem
respostas a problemas diferentes e não
opostos.
Os Estados Unidos são uma federação de seitas, etnias e raças fundamentalistas. Democracia e liberdade de expressão resultam de um equilíbrio
tenso entre grupos igualmente poderosos com princípios rígidos e inegociáveis.
Por isto, os americanos são obrigados a ser pragmáticos ("verdade é o
que funciona") ou relativistas. Pragmatismo e relativismo são as únicas filosofias possíveis num país congestionado de verdades irreconciliáveis e
onde mentir é o único motivo para levar um presidente ao "impeachment".
A diversidade entre visões de mundo não requer tolerância. Eu não preciso "tolerar"que você goste de chá e
eu, de café. A tolerância- do latim "tolerare", suportar- é necessária apenas
entre idéias que não são apenas diferentes, mas contraditórias e que se reconhecem reciprocamente .
Evolucionismo e religião são temas
diferentes que se opõem apenas quando discutem a existência de Deus que
não é tema da ciência. Em geral, religiosos não precisam "tolerar" cientistas, nem escandinavos "tolerar" os paraguaios. São indiferentes uns aos outros.
Já o convívio entre judeus, cristãos e
muçulmanos demanda uma tolerância enorme. Disputam o amor do
mesmo Deus, discordam sobre o verdadeiro Messias e usam o mesmo Livro. Jerusalém é o ponto focal - cidade
do Templo de Salomão, em que Jesus
foi crucificado e Maomé subiu aos
céus.
Ocidente e Oriente nunca foram indiferentes. As charges sobre Maomé,
encomendadas como um "teste" para
a liberdade de imprensa dinamarquês
geraram protestos e morte. Na França,
a lei Gayssot criminalizou a negação
do Holocausto. A liberdade de expressão levada ao limite ameaça a liberdade de expressão.
O Brasil é o país da tolerância. Aqui,
Ogum é S. Jorge e a Virgem Maria, Iemanjá. Sofremos do melhor racismo
do mundo, ainda que continue sendo
racismo. Os negros se consideram
brancos e os brancos dizem que gostariam de ser negros. Ricos toleram os
pobres e pobres agradecem a tolerância.
Somos pragmáticos diferentes dos
americanos. Não precisamos conviver
com verdades rígidas. Aqui a verdade
é menos nítida, convive bem com
contradições. Seriamos um país admirável se tanta tolerância não for apenas fruto de indiferença.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net
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