São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

As estátuas falam

RIO DE JANEIRO - Não sei, parece que foi nada menos do que Freud o primeiro a tentar descobrir o que o "Moisés" de Michelangelo estaria falando ou sentindo quando foi imortalizado naquele formidável mármore que se encontra em Roma, na igreja de São Pedro in Vinculis.
Freud dizia que Moisés acabara de descer o monte Sinai, onde recebera as tábuas da lei diretamente do Senhor. Encontra seu povo, que ele salvara do cativeiro e conduzia à Terra da Promissão, numa orgia pagã. Liderados por seu irmão, Aarão, aproveitando a ausência do líder, estão adorando não o Deus que os tirou do cativeiro, mas um Bezerro de Ouro.
Moisés quebrou as tábuas (mais tarde providenciaria outras), botou a mão no estômago -sinal que para Freud era de cólera e angústia. Disse um palavrão, provavelmente em aramaico ou língua assemelhada, que Freud não ousou adivinhar.
Ainda em Roma, no centro da Piazza Navona, a fonte dos Quatro Rios, de Bernini, tem em destaque um personagem apavorado, com o braço protegendo o rosto e a cabeça. Dizem os romanos que o gesto desesperado é por causa da igreja em frente, Santa Inês em Agonia, obra de Borromini, o grande rival de Bernini, que só sossegou quando convenceu o papa a expulsar o desafeto para Viena. Bernini garantia que a igreja de Borromini desabaria em cima de sua fonte.
No Rio, havia duas estátuas que também falavam. Chopin andou uns tempos em frente ao nosso Teatro Municipal, parecia estar ouvindo música, mas parecia também estar tampando um dos ouvidos. Diziam que ele protestava contra um pianista que ali dava concertos.
Ainda no Rio, Floriano Peixoto tem uma estátua eloqüente. Está no topo de um grupo complicado, tendo na base personagens diversificados, alguns da vida real, políticos, militares, índios, outros alegóricos. O Marechal de Ferro olha com ferocidade para baixo e brande sua espada num gesto autoritário. É evidente que está gritando: "Ninguém mais sobe!".


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