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TENDÊNCIAS/DEBATES
O câmbio em debate
ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA
A reforma da legislação cambial é necessária para melhorar o regime de câmbio flutuante na economia nacional
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A proposta de reforma da legislação cambial encaminhada recentemente pela Fiesp ao Congresso Nacional foi tema de polêmicas discussões
nos jornais brasileiros. Após ouvir diversos comentários, contra e a favor, cabe-nos o dever de refletir e argumentar
publicamente sobre as críticas, prestando satisfação à sociedade e aos parlamentares que iniciam o exame da matéria, em trâmite em diversas comissões
técnicas.
É fundamental ressaltar que estamos
convictos quanto ao acerto da vigência
do regime de câmbio flutuante. Introduzido no país a partir de janeiro de
1999, a flutuação cambial foi antecedida
por desastradas experiências de indexação cambial, de bandas cambiais, de
câmbio fixo e de maxidesvalorizações
periódicas. Para que tenha credibilidade e perenidade -a partir das legítimas
forças de mercado-, o regime de câmbio flutuante carece de leis e regras que
lhe sejam compatíveis. Caso contrário,
será inevitável a ocorrência de algum
viés de sub ou sobrevalorização da taxa
cambial, decorrente da inadequação
das regras vigentes.
No Brasil, a legislação cambial está
longe de atender essa prerrogativa, pois
é em grande parte oriunda de períodos
econômicos caracterizados por profundas crises cambiais, experimentadas
desde os anos de 1930 até 1999.
Em síntese, a legislação em vigor se caracteriza pela compulsoriedade da oferta de divisas na entrada (Lei de Cobertura Cambial) e pela restrição a sua saída.
O tolo argumento defendido pelo ex-presidente do Banco Central, Gustavo
Franco, de que "lei antiga não é necessariamente anacrônica" e que, portanto,
não deve ser alterada, é inconsistente
com seus próprios atos ao longo da implementação do Plano Real (fim da indexação cambial, por exemplo) e peca
pelo imobilismo diante de um mundo
globalizado, moderno e dinâmico.
Resta observar que, por mais restritivas que fossem as regras cambiais vigentes nos últimos 70 anos, elas não nos
livraram de recorrentes crises cambiais
e de gigantescas fugas de capitais. Basta
lembrar o que ocorreu por vezes durante os anos 80, ou mesmo em 1998, quando dezenas de bilhões de dólares se evadiram da economia brasileira, seja diretamente das reservas do Banco Central
ou por meio dos doleiros de plantão.
Enganam-se aqueles que, como o economista João Sicsú, da UFRJ, afirmam
que a proposta da Fiesp trará maior vulnerabilidade cambial ao BC ou à economia brasileira.
Na realidade, nas décadas precedentes, a despeito do nível de intervenção
governamental no mercado, houve,
sim, crises cambiais. Tal interferência
talvez tenha sido a verdadeira causa das
repetidas crises, denotando falta de confiabilidade dos agentes econômicos em
relação à atuação dos respectivos governos quanto às regras cambiais e a tentativa recorrente de aprisionar divisas no
Brasil.
É interessante notar que, ao longo do
tempo, os países com menor grau de intervenção nos fluxos cambiais foram os
que menos sofreram crises neste âmbito, mesmo quando conjunturais, como
a de 1982/1983 e a de 1997/1998.
Chega a ser ingênua a idéia de que,
quanto mais controlado o câmbio, menor a vulnerabilidade cambial. As divisas de um país escorrem pelas mãos de
quem se dispuser a contê-las.
Assim, na era da globalização, são
inúteis os controles cambiais e cada vez
mais se impõem o livre fluxo de capitais,
a livre cotação e a conversibilidade das
moedas. Também são totalmente dispensáveis os arcaicos contratos de câmbio e toda a custosa burocracia deles resultante -esse entulho ocupa cerca de
70% da memória de disco rígido dos
computadores do BC.
Outro conceito ultrapassado que urge
revisão é o do monopólio de câmbio pelo BC. Tal exclusividade o obriga a arcar
com toda a compra e venda de câmbio
no país e, conseqüentemente, com o
carregamento solitário das reservas de
divisas da economia nacional.
No conceito moderno, as reservas de
moeda estrangeira de um país são aquelas em poder de seu banco central ou
sob o domínio do setor privado, desde
que mantidas oficialmente em disponibilidade no sistema financeiro nacional.
Daí a proposta da Fiesp para permitir
a abertura de contas em moeda estrangeira nos bancos brasileiros para qualquer pessoa jurídica registrada no Sisbacen -e não só para exportadoras,
como erroneamente foi afirmado.
Com essa permissão, desonera-se o
custo de transação cambial para empresas nacionais, hoje em torno de 4%.
Possibilita-se, ainda, que a oferta de
câmbio no mercado flutuante se faça
não pela obrigação imposta pela Lei de
Cobertura Cambial, mas pela decisão
empresarial -a ser ditada pelo custo de
oportunidade do câmbio e dos juros, e
necessidade de fluxo de caixa em reais
para pagamentos domésticos.
Estamos cientes de que a proposta de
reforma da legislação cambial não é
uma panacéia que resolverá a problemática sobrevalorização cambial. Nem
era esta a intenção da Fiesp ao formulá-la. O projeto é, sim, condição necessária
para aprimorar o funcionamento do regime de câmbio flutuante na economia
nacional, ainda sujeito ao viés de apreciação da taxa cambial, resultante da
inapropriada legislação em vigor. Que a
luz e a sabedoria iluminem este debate.
Roberto Giannetti da Fonseca, economista e
empresário, é diretor titular do Departamento
de Relações Internacionais e Comércio Exterior
da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo) e presidente da Funcex (Fundação
Centro de Estudos do Comércio Exterior). Foi secretário-executivo da Camex (2000-2002).
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