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Sobre ética, cultura e política
GABRIEL CHALITA
Há por aí filósofos
de pára-choque de caminhão. Pessoas que julgam pessoas sem nem sequer conhecer sua obra
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Em ano eleitoral , reacende-se o
debate sobre ideologias, posturas,
atitudes. É corriqueira a comparação
entre eventuais candidatos e seus aliados. O homem público não deve temer
que, sobre sua atuação, surjam reflexões
ou críticas. Faz parte do processo. Entretanto, há de se refletir sobre os interesses que existem nas opiniões emitidas. Em outras palavras, há de se refletir
sobre ética.
Guimarães Rosa, em entrevista ao crítico Günter Lorenz, disse que "a política
é desumana porque dá ao homem o
mesmo valor que uma vírgula em uma
conta".
A desumanidade da política extrapola
a esfera dos governantes e governados e
navega nas várias esferas da vida na pólis, na sociedade.
A desumanidade, lembrada pelo escritor Guimarães Rosa, refere-se à falta
de compromisso com a verdade, com o
conhecimento.
Há por aí filósofos de pára-choque de
caminhão. Pessoas que julgam pessoas
sem o menor conhecimento de sua
obra. Vários pensadores foram vítimas
desses semicultos. Colocaram frases jamais proferidas na boca de Maquiavel.
Deturparam Marx ou Sartre. Ridicularizaram ideologias.
Sobre os semicultos, escreveu Mário
de Andrade nos idos de 1927:
"A gente pode lutar com a ignorância
e vencê-la. Pode lutar com a cultura e
ser ao menos compreendido, explicado
por ela. Com os preconceitos dos semicultos, não há esperança de vitória ou de
compreensão".
Os semicultos estão por aí, escondidos
atrás de um pequeno poder. Dizem superficialidades, deixam-se levar por um
olhar tacanho do que não conhecem e
fingem conhecer. Os semicultos não
têm a humildade necessária para a dialética. Não há antítese. Apenas tese. Tosca tese de quem nunca nada defendeu.
Apenas destruiu ou tentou destruir.
Há de se discutir a ética na política,
nas organizações e na mídia.
Falta com a ética o político demagogo
ou o corrupto, ou o que semeia inverdades em redações de jornais e revistas, ou
o que mente à sociedade.
Falta com a ética o jornalista que se
deixa deslumbrar com o poder de destruir e não investiga, não vai a fundo no
que escreve.
Falta com a ética quem destrói a gestão do outro, a obra construída solidamente na política ou na empresa. O trabalho sagrado de servir.
É tempo de ética. Da ética aristotélica
do meio-termo. Da ética do valor, da
axiologia preconizada por Miguel Reale. Do conceito correto de política que
constrói Estados e pessoas, como sonhava Bobbio. Da ética da linguagem. A
palavra a serviço da verdade e do conhecimento. A semiótica de Umberto Eco,
que, relembrando Cícero, fala em razão
e emoção. Em fragilidade e consistência. Da ética da humildade.
Os arrogantes ou semicultos se distanciam muito da verdade, pois só enxergam a si mesmos. Humildade no respeito à diversidade. A intransigência leva ao radicalismo, e este, à tragédia.
Franco Montoro dizia que há coisas em
que não podemos ceder -valores, ética. Quantos às outras, é preciso ter olhos
de ver.
Humildade em reconhecer o valor do
outro. Não podem interesses levianos
de períodos eleitorais jogarem lama em
carreiras construídas com afinco.
Adélia Prado, poeta da leveza, disse:
"Só pessoas equivocadas quanto à natureza do fato literário repudiam um livro
por sua casuística religiosa. O enredo ou
tema de um livro não é o que o torna
bom ou mau. Seu valor e desvalor têm a
ver com forma, apenas".
A maturidade literária ou a maturidade crítica exige conhecimento, profundidade. "Não li e não gostei" é coisa de
semiculto.
Enfim, que neste ano eleitoral haja
muito debate, muita investigação e, acima de tudo, compromisso com a verdade. Que a ética permeie o calor do debate, que será mais rico e belo se deixar
fluir o passado e o amanhã sem desmerecer a pessoa.
Um debate ético lança luzes sobre
idéias, não sobre perfumaria. Um debate ético ajuda a consolidar a cultura democrática e respeitosa.
O Brasil tem mulheres e homens com
essa postura em todos os ambientes
profissionais. Que esses sirvam de
exemplo aos demais. São profissionais
que construíram uma obra. Aliás, o que
é muito mais edificante do que destruir
obras alheias.
Gabriel Chalita, 36, doutor em direito e em comunicação e semiótica, professor de filosofia do direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), é o secretário da Educação do Estado de São Paulo e presidente do Consed (Conselho Nacional dos Secretários da Educação).
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