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TENDÊNCIAS/DEBATES
A política e o Supremo Tribunal Federal
FLÁVIO DINO
Não ignoro que sem independência não se pode falar em Poder Judiciário; contudo, isso não implica
por obrigação vitaliciedade
COM idêntico título, o desembargador Henrique Nelson Calandra honrou-me, neste mesmo espaço, em 13 de fevereiro, com
um artigo acerca da proposta de
emenda à Constituição que estou
apresentando visando à instituição
de mandato para os ministros do
Supremo Tribunal Federal.
O magistrado argumenta que a vitaliciedade é
indispensável para a manutenção da
independência do Judiciário.
O debate acerca do tema não é novo, nem exclusivamente brasileiro,
assim como o argumento usado.
Já participei de discussão similar
quando da tramitação da emenda
constitucional nº 45.
Alguns magistrados apontavam inconstitucionalidade na criação do Conselho Nacional de Justiça, tese derrotada no STF,
e o qualificavam como uma grave
ameaça à independência dos juízes, o
que não se confirmou na prática.
Não ignoro que sem independência
não se pode falar em Poder Judiciário, nem mesmo em judicialidade,
que pressupõe o maior distanciamento possível das partes em conflito e a
máxima imunidade a pressões.
Contudo, isso não implica necessariamente vitaliciedade, a não ser que se
entenda que os tribunais constitucionais da Alemanha, da Espanha ou da
Itália não são independentes.
Em verdade, a vitaliciedade é uma
técnica de proteção da independência
judicial, que pode ser utilizada ou
não, em cada contexto histórico.
No
caso brasileiro, defendo a vitaliciedade da magistratura ordinária; portanto, a reflexão que faço volta-se exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, a nossa Corte Constitucional.
Classicamente, o controle de constitucionalidade, essencial em um Estado democrático, resulta em atribuir-se ao Judiciário a condição de
legislador negativo, ou seja, competente para declarar a invalidade
de uma lei. Contudo, há vasta doutrina demonstrando que o Judiciário
crescentemente ocupa a função
de legislador positivo.
No Brasil, essa tendência é reforçada por certo esvaziamento da política,
cujo sintoma mais evidente é a crise
do processo decisório no Congresso
Nacional, que gera ou mantém omissões inconstitucionais. Não considero ser nociva a tendência de fortalecimento do Judiciário, até o presente
momento. Muito ao contrário, saúdo
com entusiasmo o seu maior prota-gonismo, com todos os seus riscos
envolvidos, inclusive aqueles derivados de sua morosidade.
Portanto, não se cuida de ameaçar a
independência judicial, ou mesmo de
retaliar os atuais ministros por essa
ou aquela decisão, até porque a proposta só prevê efeitos para as futuras
nomeações. A minha proposição parte da premissa de que é inerente à noção de República a alternância no
exercício das funções políticas.
Não resta dúvida de que é essa a natureza do papel ora desempenhado
pelos ministros do Supremo. Com razão, chega-se a falar de um sistema
legislativo tricameral, em que, juntamente com o Senado e a Câmara, o
STF desempenha um papel ativo e
central no processo de definição do
conteúdo das leis. Logo, a conclusão
a que cheguei vai no sentido de que
devemos retomar o debate sobre
os critérios de composição do nosso
Tribunal Constitucional, em homenagem às suas altas missões, reforçadas por instrumentos como a súmula
vinculante, o mandado de injunção e
a arguição de descumprimento de
preceito fundamental.
A proposição legislativa objetiva
ampliar os requisitos do pluralismo,
da representatividade e da complementaridade, fundamentos da legitimidade política dos membros da
jurisdição constitucional, como sustenta, entre tantos, o professor Louis
Favoreu ("La Légitimité de la Justice
Constitutionnelle et la Composition
des Juridictions Constitutionnelles",
na página 236).
Para atingir essas metas, estamos
propondo um mandato de 11 anos
para os ministros do STF, vedada a recondução, e que todos os Poderes do
Estado participem do processo de seleção dos novos membros daquele tribunal. Assim, além do presidente da
República e do Senado, também a
Câmara e o próprio Judiciário participarão de tal seleção.
Ademais, o processo de escolha
partirá de listas a serem apresentadas
por diferentes instituições, ampliando o debate hoje demasiadamente
restrito. Verifica-se, dessa forma, o
quanto equivocada é a ideia de que a
proposta presta-se à obtenção de poderes totalitários, supostamente dos
políticos sobre o Judiciário. Ao contrário, visa criar salvaguardas institucionais para que, no futuro, o inverso
não aconteça, "aristocratizando" o
Direito e a política. Até aqui, o STF
foi um ótimo "legislador". Mas é prudente imaginar outros cenários.
FLÁVIO DINO DE CASTRO E COSTA , 40, advogado, deputado federal (PC do B-MA), é vice-líder de seu partido. Foi
presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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