São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011

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HELIO SCHWARTSMAN

Horário de verão

Acabou o horário de verão.
A crer numa pesquisa de 2007, 60% dos brasileiros se despedem do fuso horário artificial com uma ponta de tristeza, enquanto 37% dão graças a Deus que o martírio terminou.
As divisões seguem uma lógica. O adiantamento dos relógios é aplaudido por pessoas que não precisam acordar muito cedo e que podem usufruir da hora extra de luz. Entre os maiores beneficiados está o comércio. Estudo de 1999 indicou que o horário especial na Europa aumentava em 3% os lucros do setor de lazer. No Brasil, um apelido do horário é bolsa-Ambev, em referência à alta no consumo de cerveja.
Entre os adversários do instituto, destaca-se o pessoal do campo, que amarga uma hora a mais de trevas matutinas.
Para reforçar seu caso, eles sempre lembram que as criancinhas que estudam de manhã partilham da mesma sorte.
Também trazem em seu socorro os médicos, que disparam as dificuldades do corpo e do cérebro para adaptar-se às mudanças de fuso horário.
Uma nota histórica curiosa é que Benjamin Franklin propôs o horário de verão em 1784. Notório mão de vaca, ele não só sugeriu a mudança quando servia como diplomata em Paris como ainda calculou quanta vela os franceses economizariam com a ideia.
O interessante aqui é como um ato banal e absolutamente arbitrário, como é a decisão de adiantar os relógios em uma hora, pode causar tal multiplicidade de efeitos. É uma boa ilustração da força dos "nudges" (empurrõezinhos), conceito da economia comportamental bem desenvolvido por Richard Thaler e Cass Sunstein no livro "Nudge: O Empurrão para a Escolha Certa".
A ideia básica é que seres humanos são tudo menos os agentes racionais e bem informados imaginados nos manuais clássicos de economia.
No mundo real, as pessoas frequentemente tomam as piores decisões em relação a seu futuro. Fazem-no em grande parte devido a vieses cerebrais previsíveis e quantificáveis.
"Nudges" seriam o remédio contra isso. São os incentivos mais ou menos autoritários que levam indivíduos a fazer o que é melhor para eles e/ou a sociedade. O horário de verão e a obrigatoriedade do cinto de segurança são exemplos de "nudges" autoritários, porque impostos pelo governo.
Empurrõezinhos mais libertários incluem contratos de trabalho com opção automática pelo plano de aposentadoria ou esconder nas prateleiras pouco visíveis do refeitório escolar os alimentos menos saudáveis. Aqui, quem não concorde com a opção "sugerida" conserva uma porta de saída.
A beleza dos "nudges" em sua forma libertária é que eles nos permitem seguir operando com os conceitos liberais e democráticos do Iluminismo (que pressupõem agentes racionais) mesmo reconhecendo que o homem frequentemente esconde a boa e velha razão nos giros mais inacessíveis de seus cérebros.

HELIO SCHWARTSMAN é articulista da Folha.


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