São Paulo, quinta, 20 de março de 1997.

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Porque termina em pizza

OTAVIO FRIAS FILHO
O ex-presidente Collor apareceu no ``Jornal Nacional'' para se defender de novas acusações, que não param de convergir sobre ele. É medida prudente, numa democracia, que os vilões públicos tenham ampla oportunidade de defesa. Collor exagerou e talvez só por isso tenha recebido nada menos que dez minutos na edição.
Tendo um mural psicodélico como fundo, ele esbravejou, deu socos na mesa, mostrou-se exausto com o que considera uma perseguição, chegou a acusar de má-fé a repórter, que resistiu bravamente e balbuciou as perguntas até o fim da pauta. Apoplético, ele atropelou palavras, inventou outras, não estava em boa forma.
Repetiu seu argumento básico: foi mais investigado do que ninguém e mereceu a absolvição da Justiça. Para muitas pessoas, nunca ficou claro que o impeachment envolvia dois processos, um político e outro jurídico. Para afastá-lo do cargo, bastava que a Câmara considerasse sua conduta incompatível com a função.
Para depô-lo em definitivo, que o Senado confirmasse a Câmara. Mas para condenar Collor pela prática de crimes era preciso que comprovações cabais convencessem os juízes, o que não aconteceu, seja porque as evidências não eram suficientes, seja porque as leis em vigor exigem das evidências mais do que elas podem oferecer.
Fica a sensação de que os escândalos nunca se resolvem, de que a impunidade é a regra, até mesmo a dúvida mais improvável -e se Collor tivesse razão?- não desaparece. O pior é que esses casos, como agora no episódio dos precatórios, revelam uma capilaridade técnica que a imprensa e o público seguem às tontas, até cansar.
Tanto melhor, claro, se houver punições. A melhoria da cultura política depende em parte delas e o próprio impeachment representou, como está claro hoje, um salto enorme no desenvolvimento da democracia. Mas não são apenas as ``apurações rigorosas'' que transmitem a impressão de faz-de-conta.
Quem são os governantes que conseguem se eleger para um cargo majoritário sem burlar diversas leis? Afora a corrupção por interesse pessoal, que só pode ser reduzida mediante várias investigações como a que está em curso, é o financiamento oculto das campanhas que quase sempre está por trás dos escândalos.
O país passa por um surto capitalista, em última análise é ele o responsável pela pressão crescente sobre os costumes políticos. ``Imoral'' em seus propósitos e efeitos, o capitalismo é ``moral'' ao precisar de regras impessoais, claras e exequíveis para se expandir. A política das negociatas é cada vez mais uma pedra no caminho.

O acidente de Clinton faz lembrar um comentário do linguista Noam Chomsky durante sua visita, ano passado, ao Brasil. Em resposta a uma longa questão em torno das chances de se confirmar a visita do presidente americano, Chomsky respondeu: ``São diretamente proporcionais à qualidade dos campos de golfe que vocês tiverem''.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.

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