|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Quarentena para juízes
JOAQUIM FALCÃO
Anuncia-se que presidentes de
tribunais superiores como Paulo
Costa Leite, do Superior Tribunal de
Justiça, e Almir Pazzianoto, do Ministério do Trabalho, seriam convidados por
partidos políticos para se aposentarem
e concorrerem às eleições deste ano.
Trata-se de decisão que ultrapassa os limites dos interesses individuais dos ministros e dos partidos políticos. Interfere gravemente na imagem e na função
do próprio Poder Judiciário.
Até agora, o Poder Judiciário foi resguardado da politização partidária e
eleitoral. O que é indispensável para que
tenha junto da população a imagem de
imparcial, sem a qual não é legitimo.
Mas o que acontecerá se, de agora em
diante, o Judiciário for visto pelos cidadãos como trampolim para a vida política? Como explicar para o povo que no
cálculo da sentença não está embutida a
previsão do voto do futuro eleitor?
Inexiste até agora qualquer fato que
fundamente a menor suspeita de que tal
prática já tenha ocorrido ou esteja ocorrendo. Mas também nunca existiu o fato de ministros se aposentarem para, logo em seguida à aposentadoria, às vésperas de eleições, se candidatarem. Não
estamos, pois, falando do presente nem
do passado. Mas temos que, estrategicamente, começar a nos fazer perguntas
antipáticas, para melhor entender as
eventuais repercussões no futuro do Judiciário. Sobretudo porque estamos
diante de uma conjuntura muito peculiar, que é a seguinte.
Hoje em dia um grande eleitor, se não
o maior de todos, é a mídia. Nos últimos
anos, agravando-se nos últimos meses,
rompendo com tradição secular, ministros e juízes têm frequentemente utilizado a mídia para dar opiniões fora dos
autos. Opiniões suficientemente polêmicas para conquistar primeiras páginas e até o "Jornal Nacional". Opiniões e
atitudes que inclusive ferem a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que veda, em seu artigo 36, inciso 3º, que o magistrado manifeste, por qualquer meio
de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de
outrem, ou juízo depreciativo sobre
despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais.
O que acontecerá se, de agora em diante, o Judiciário for visto como trampolim para a vida política?
|
Não é por menos que o juiz Alderico
Rocha Santos, da 2ª Vara da Justiça Federal de Tocantins, quer processar o
presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Fernando Tourinho
Neto. A partir daí, vai ser difícil explicar
à sociedade, aos eleitores e aos próprios
juízes que essa atitude inusitada não teve repercussões eleitorais.
A questão aqui não é subjetiva -se
um juiz teve ou não intenção eleitoral ao
ir à mídia. Com certeza, não. A questão
é objetiva -a exposição na mídia, fora
dos autos, tornou ou não o juiz um candidato eleitoral com chances, a tal ponto
de ser convidado por partidos? Mais
ainda, qual o impacto no cidadão desta
vinculação, o juiz polêmico na mídia de
ontem e o candidato partidário nas eleições de amanhã? Afinal o Judiciário, como a mulher de César, além de ser imparcial, precisa parecer imparcial.
A imparcialidade do Judiciário, que se
concretiza no dia-a-dia das ações dos
juízes, mais do que um dever dos mesmos juízes, é um direito dos cidadãos. É
direito fundamental sem o qual inexiste
o devido processo legal, assegurado pelo inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal. Por isso mesmo a Constituição proíbe qualquer vinculação político-partidária dos juízes. Esta vinculação não pode ser entendida em sentido
restrito, como o ato formal de assinar a
ficha partidária. Tem que ser entendida
como instrumento de proteção à imparcialidade do Judiciário.
A partir daí, a discussão só pode ser
uma: seria suficiente uma quarentena
de, digamos, dois anos, para que dúvida
não pairasse entre os cidadãos sobre
eventuais consequências eleitorais do
poder de julgar?
Joaquim Falcão, 58, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é professor da Faculdade de Direito da UFRJ e da FGV. Foi secretário-geral da Fundação Roberto Marinho.
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Maria Glória Teixeira e Maurício Barreto: Erradicação da dengue Índice
|