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TENDÊNCIAS/DEBATES
Erradicação da dengue
MARIA DA GLÓRIA TEIXEIRA e MAURÍCIO BARRETO
Os desafios atuais para a prevenção das infecções causadas pelos
quatro sorotipos do vírus da dengue
(DEN 1, DEN 2, DEN 3 e DEN 4) são
complexos, devido à força da sua circulação, à inexistência de vacinas ou drogas eficazes e, particularmente, porque
as medidas de prevenção disponíveis,
direcionadas para a eliminação do seu
transmissor, o Aedes aegypti, vêm se
mostrando inefetivas. Os acontecimentos atuais somente poderiam ter sido
evitados se ações contínuas e sustentadas tivessem sido implementadas com a
devida antecedência.
O Brasil já esteve livre desse vetor durante anos. Se medidas tivessem sido tomadas no momento da sua reintrodução no país, em 1976, possivelmente não
estaríamos hoje diante de epidemias de
tamanha gravidade. No entanto, naquele momento, o governo ditatorial tratou
a questão às escondidas, pois a considerou de "segurança nacional". A partir de
então, erros no processo de decisão e
ação governamental foram se acumulando, o que resultou no crescimento da
dispersão dos mosquitos e de epidemias
recorrentes de dengue (ver gráfico), tornando-se inviável a sua eliminação.
A intensa circulação do DEN 1 e do
DEN 2, nos últimos 17 anos, fez com que
parcelas significativas da população tivessem sido infectadas com algum desses sorotipos. No momento em que nos
expomos a outros sorotipos, a presença
desses anticorpos aumenta o risco para
o desenvolvimento das formas severas
da dengue. Isso está acontecendo com a
introdução recente do sorotipo DEN 3.
Somente em 1995 esse problema teve
uma atenção à altura da sua seriedade.
A iniciativa coube ao CNS (Conselho
Nacional de Saúde), que nomeou uma
comissão visando elaborar propostas
sobre as formas de evitar epidemias
mais severas. Essa iniciativa resultou na
elaboração do Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti (PEA), o qual foi
imediatamente acolhido pelo então ministro da Saúde, o dr. Adib Jatene.
Desde o início da elaboração do PEA,
especialistas envolvidos no processo entenderam que a solução desejada impunha ações que ultrapassassem o combate químico ao mosquito, passando por
propostas mais abrangentes sobre os
determinantes da existência e da proliferação desse vetor nas cidades.
Estudos científicos já demonstravam
que seria necessária uma estratégia radical de combate ao Aedes aegypti, pois
as estratégias de controle não vinham
dando resultados. Propôs-se, então, a
erradicação visando atingir níveis de infestação pelo Aedes aegypti incompatíveis com a circulação do vírus. Era
igualmente importante que a mesma
estivesse inserida no processo de descentralização das ações de saúde preconizado pelo SUS e, assim, consonante
com os direitos individuais e coletivos,
fugisse da tradição verticalista e autoritária dos programas de controle de
doenças.
A comissão não se deteve diante de
opiniões simplistas e de caráter tecnocrático de alguns, que se apegavam ao
suposto uso "indevido" da palavra erradicação. Entendeu-se que, naquele momento, essa seria a única estratégia capaz de prevenir as epidemias anunciadas de dengue e impedir a reurbanização da febre amarela. Esperava-se que,
durante sua implantação, as insuficiências e dificuldades fossem superadas pelo acréscimo de novos conhecimentos.
Assim, como etapa inicial, propunha-se o desenvolvimento de dois projetos-piloto (em Salvador, disponível no site
www.isc.ufba.br, e em Goiânia), que
iriam ampliando a base de conhecimento científico e tecnológico necessária ao
aprimoramento do plano. Esses projetos foram também elaborados; porém,
como o próprio PEA, nunca foram implementados. O "Programa de Erradicação" que vem sendo executado desde
1997 não incorporou os princípios e diretrizes técnicos e políticos do PEA, centrando-se quase que exclusivamente no
combate químico ao mosquito.
Três pilares fundamentais foram considerados indispensáveis ao PEA: saneamento ambiental, comunicação e
mobilização social e, complementarmente, combate direto ao vetor. A sua
formulação explicitava uma clara direção político-organizacional: para o desenvolvimento das ações fazia-se necessária a mobilização da sociedade, a
construção de um pacto intergovernamental e a coordenação intersetorial
nos três níveis de governo. Além disso,
estabelecia os princípios de universalidade, continuidade e sincronicidade
das atividades de saneamento, mobilização social e combate direto ao vetor.
O desenho desse plano constituía-se
em um desafio, em uma nova forma de
atuação da saúde pública no controle de
doenças. Do ponto de vista técnico, era
inovador por considerar a questão da
determinação da doença em toda a sua
amplitude, incluindo sua base socioambiental e cultural. Do ponto de vista político, foi um plano nascido fora da burocracia estatal, no interior de uma instância da sociedade, o CNS.
As críticas ao plano até hoje centram-se nos seus custos (R$ 4,5 bilhões para
quatro anos). Porém nunca se procurou
entender que muitas das ações propostas já estavam sendo efetuadas, de forma descoordenada, em vários níveis e
setores do governo e que os recursos da
CPMF deveriam ser inteiramente destinados à saúde. Motivo de maior perplexidade ainda é constatar que só o dinheiro gasto (ou melhor, desperdiçado)
com as atividades de controle da dengue desde a elaboração do PEA já ultrapassa mais da metade do orçamento
previsto para esse plano. Com a epidemia em curso, é fundamental que não
nos deixemos enganar. A redução da
epidemia a cada ano, ao final do primeiro semestre, tem se dado muito mais
devido à ação da natureza (mudança
das estações) do que à dos homens.
Neste momento, em que o país vive
tão grave epidemia de dengue, é da
maior importância que profissionais e
serviços de saúde empreendam esforços para prestar uma assistência de qualidade à população, mediante o diagnóstico precoce e o tratamento adequado dos acometidos, para assim, pelo
menos, evitarmos as mortes, já que as
opções de governos e tecnocratas nos
tornaram incompetentes para evitar a
ocorrência da doença.
Maria da Glória Teixeira, 51, médica infectologista, é professora-adjunta do Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Maurício Barreto, 47, médico é professor titular do
Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.
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