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OTAVIO FRIAS FILHO
Hora H
Durante mais de 40 anos, o
mundo viveu uma situação de relativo equilíbrio decorrente da paralisia entre duas superpotências, Estados
Unidos e União Soviética, que se neutralizavam. Cada metade do planeta,
grosso modo, estava alinhada com
uma delas e, assim, protegida da rival.
Havia guerras, mas circunscritas às regiões de atrito entre as duas esferas.
Com o colapso soviético, ingressamos no estágio atual, dominado pelo
império norte-americano. O primeiro
teste de fogo foi a Guerra do Golfo
(1991), quando a invasão do Kuait pelo Iraque colocou em risco o abastecimento ocidental de petróleo. Os americanos lideraram uma ampla coalização militar que derrotou o ditador
Saddam Hussein e o forçou a recuar.
O regime iraquiano não foi deposto,
então, porque aceitou as condições do
armistício e porque derrubar o ditador acarretaria baixas expressivas entre soldados americanos. A memória
do Vietnã ainda era forte. De toda forma, consolidou-se o papel dos EUA
como polícia do mundo, que eles voltaram a exercer durante os conflitos
que terminaram por desmembrar a
antiga Iugoslávia.
Esse país -uma réplica em escala
menor da antiga União Soviética-
ainda se mantinha intacto por força
da repressão brutal exercida pelo regime controlado pela Sérvia. Sob a indiferença da opinião pública americana,
mas com imenso apoio na Europa, os
EUA realizaram intervenções militares ditas cirúrgicas, que redundaram
na dissolução da Iugoslávia.
Ao longo dos anos 90, os americanos
viram sua hegemonia -econômica,
cultural, ideológica- crescer no
mundo inteiro. A violência inaudita
dos atentados de setembro de 2001, ao
contrário das aparências, não traduziu um avanço do fundamentalismo
antiocidental, mas um gesto de desespero de grupos acuados depois de a
grande maioria dos países islâmicos
ter sido levada à paz com o Ocidente.
O principal efeito desse crime desesperado foi a doutrina preventiva adotada pelo governo chauvinista de
George W. Bush. A hegemonia a ser
obtida com alguma margem de consenso, que prevalecera entre 1989 e
2001, foi substituída pela doutrina de
segurança máxima. A eliminação do
regime iraquiano será seu primeiro
teste real após o ensaio da campanha
que varreu o Taleban no Afeganistão.
O raciocínio é que os Estados Unidos devem assumir seu papel policial
sem escrúpulos nem hesitação, sob
pena de se tornarem vulneráveis à
chantagem nuclear de "um, dois, três,
cem Iraques". Dotado de capacidade
atômica, um país hostil volta a ser soberano e pode respaldar impunemente redes como a Al Qaeda, dando-lhes
apoio logístico e base territorial.
Dados os antecedentes de Saddam
Hussein e a sua relativa fraqueza, o
Iraque está para ser imolado a título
de exemplo para as Coréias do Norte
da vida. Não é uma estratégia burra ou
impensada, como muitos crêem. Mas,
além de desumana, é uma opção arriscada -a violência quase sempre gera
mais violência-, da qual não será fácil recuar daqui por diante.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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