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São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Hora H

Durante mais de 40 anos, o mundo viveu uma situação de relativo equilíbrio decorrente da paralisia entre duas superpotências, Estados Unidos e União Soviética, que se neutralizavam. Cada metade do planeta, grosso modo, estava alinhada com uma delas e, assim, protegida da rival. Havia guerras, mas circunscritas às regiões de atrito entre as duas esferas.
Com o colapso soviético, ingressamos no estágio atual, dominado pelo império norte-americano. O primeiro teste de fogo foi a Guerra do Golfo (1991), quando a invasão do Kuait pelo Iraque colocou em risco o abastecimento ocidental de petróleo. Os americanos lideraram uma ampla coalização militar que derrotou o ditador Saddam Hussein e o forçou a recuar.
O regime iraquiano não foi deposto, então, porque aceitou as condições do armistício e porque derrubar o ditador acarretaria baixas expressivas entre soldados americanos. A memória do Vietnã ainda era forte. De toda forma, consolidou-se o papel dos EUA como polícia do mundo, que eles voltaram a exercer durante os conflitos que terminaram por desmembrar a antiga Iugoslávia.
Esse país -uma réplica em escala menor da antiga União Soviética- ainda se mantinha intacto por força da repressão brutal exercida pelo regime controlado pela Sérvia. Sob a indiferença da opinião pública americana, mas com imenso apoio na Europa, os EUA realizaram intervenções militares ditas cirúrgicas, que redundaram na dissolução da Iugoslávia.
Ao longo dos anos 90, os americanos viram sua hegemonia -econômica, cultural, ideológica- crescer no mundo inteiro. A violência inaudita dos atentados de setembro de 2001, ao contrário das aparências, não traduziu um avanço do fundamentalismo antiocidental, mas um gesto de desespero de grupos acuados depois de a grande maioria dos países islâmicos ter sido levada à paz com o Ocidente.
O principal efeito desse crime desesperado foi a doutrina preventiva adotada pelo governo chauvinista de George W. Bush. A hegemonia a ser obtida com alguma margem de consenso, que prevalecera entre 1989 e 2001, foi substituída pela doutrina de segurança máxima. A eliminação do regime iraquiano será seu primeiro teste real após o ensaio da campanha que varreu o Taleban no Afeganistão.
O raciocínio é que os Estados Unidos devem assumir seu papel policial sem escrúpulos nem hesitação, sob pena de se tornarem vulneráveis à chantagem nuclear de "um, dois, três, cem Iraques". Dotado de capacidade atômica, um país hostil volta a ser soberano e pode respaldar impunemente redes como a Al Qaeda, dando-lhes apoio logístico e base territorial.
Dados os antecedentes de Saddam Hussein e a sua relativa fraqueza, o Iraque está para ser imolado a título de exemplo para as Coréias do Norte da vida. Não é uma estratégia burra ou impensada, como muitos crêem. Mas, além de desumana, é uma opção arriscada -a violência quase sempre gera mais violência-, da qual não será fácil recuar daqui por diante.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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