São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

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UM ANO DEPOIS

H á um ano, os Estados Unidos deflagravam a guerra que depôs o ditador iraquiano Saddam Hussein. Começava a ser posta em prática em sua plenitude a Doutrina Bush, gestada após o atentado do 11 de Setembro, que preconiza ataques preventivos contra países potencialmente ameaçadores aos EUA ou que apóiem grupos terroristas.
Passado um ano, sabe-se que Saddam Hussein não mantinha vínculos com organizações terroristas e não possuía as armas de destruição em massa que Washington e Londres o acusavam de ocultar. O que ainda não se sabe é se os EUA e o Reino Unido fabricaram o dossiê sobre as supostas armas de boa ou de má-fé, se induziram o mundo a erro apenas por cegueira ideológica ou se agiram fraudulentamente.
Às razões alegadas para a invasão devem ser adicionadas outras, menos fantasiosas: o interesse americano de dispor de território para basear forças na região, precipitado pelas dificuldades de continuar com tropas na Arábia Saudita, e a importância para a potência ocidental de manter controle sobre reservas estratégicas de petróleo no Oriente Médio.
É difícil avaliar quais serão os desdobramentos futuros da invasão, tanto do ponto de vista da população iraquiana como do da segurança internacional. Até aqui, no entanto, o saldo permanece negativo.
É claro que a queda de Saddam deve ser celebrada. Tratava-se de um ditador especialmente sanguinário. Massacrou dezenas de milhares de iraquianos -notadamente xiitas e curdos- e empurrou seu país para duas guerras insanas, uma contra o Irã e outra contra o Kuait. O mundo se tornou um lugar melhor sem Saddam Hussein à frente do Iraque.
Isso, contudo, não basta para apagar o fato de que o país está hoje à beira de uma guerra civil e que se tornou, após a invasão, um grande centro do terrorismo mundial, além de fonte permanente de instabilidade para a região, já tão conturbada.
Quanto ao futuro do Iraque, ele permanece uma incógnita. Se os atuais conflitos não evoluírem para uma guerra civil em larga escala, o Iraque poderá acabar se estabilizando. É bastante duvidoso, porém, que venha a se tornar em curto ou médio prazo a democracia que os Estados Unidos gostam de apregoar.
Mais importante, a bem-vinda deposição do ditador não esconde a evidência de que Bush, para lançar-se em sua aventura, causou grandes estragos ao incipiente e ainda frágil multilateralismo internacional. Ele desprezou aliados tão importantes como a França e a Alemanha e se colocou contra a posição da ONU.
Não são desprezíveis, também, os argumentos de que a escalada militar produzida pela Guerra do Iraque é um fator a animar jovens muçulmanos a cerrar fileiras com o terror. É claro que é impossível mensurar objetivamente esse movimento, mas há analistas que apontam as humilhações impostas aos muçulmanos pelos EUA no Iraque, ao lado da repressão israelense aos palestinos, como motores do terrorismo islâmico.
É mais do que razoável, portanto, afirmar que a resposta dada por George W. Bush ao problema do terrorismo, na qual a invasão e a subseqüente ocupação do Iraque são peças-chave, continua se mostrando equivocada. Os atentados de Madri, na semana passada, mostram da forma mais sangrenta e abjeta possível o quanto será necessário agir em frentes não apenas militares para enfrentar essa chaga dos tempos modernos que é o terror.


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