São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

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VAGAS ESTATIZADAS

Merece ser examinada com atenção a proposta do ministro da Educação, Tarso Genro, de criar vagas públicas em instituições de ensino superior privadas. Em linhas gerais, a idéia é estender a todos os estabelecimentos particulares os incentivos fiscais e previdenciários hoje concedidos às instituições filantrópicas. Em troca, as faculdades destinariam pelo menos 25% de suas vagas ao poder público.
A definição de quais alunos seriam contemplados ficaria a cargo da universidade federal da região, que deverá aplicar o sistema de cotas. Genro pretende criar 100 mil novos lugares já neste ano, a um custo estimado em R$ 350 milhões. A meta para cinco anos é gerar 400 mil vagas.
A idéia é engenhosa e parece filosoficamente correta, mas não pode passar sem algum questionamento. A criação de uma vaga universitária na rede privada se dá a um custo bem menor do que no sistema público. Mas é preciso ter claro que não se trata exatamente do mesmo "produto". Faculdades privadas em geral se limitam a ensinar o aluno. Uma universidade pública faz bem mais do que isso. Além do ensino, ela desenvolve atividades de pesquisa e extensão. Freqüentemente, conta com um hospital universitário.
Nem os custos nem a formação oferecida pela universidade pública podem ser comparados aos de suas congêneres particulares. A pesquisa é uma atividade cara. Não é casual que as escolas privadas praticamente a ignorem. Cerca de 90% da ciência brasileira é obra de instituições ligadas ao Estado. O desempenho das faculdades públicas nas avaliações do Provão é nitidamente superior ao da média das particulares.
O Brasil, porém, é um país com grande carência de pessoas com formação de terceiro grau. Infelizmente, não é possível estender a todos os que desejem o acesso gratuito a cursos com o padrão de excelência das universidades públicas. Faz sentido, portanto, que o Estado fomente a criação de mais vagas, ainda que recorrendo à renúncia fiscal.
O problema é que muitas das universidades federais estão literalmente caindo aos pedaços. Diante disso, seria correto aplicar preciosos recursos destinados à educação superior para outras finalidades que não a recuperação do patrimônio público?
Outra questão complexa é a que diz respeito às escolas com fraco desempenho acadêmico. O correto seria fechá-las, para que não enganem o consumidor e para que não ameacem a população. A proposta de Genro, se não forem estabelecidas certas cautelas, traz o risco de o Estado aplicar dinheiro público em instituições que deveria lacrar. No mais, restam dúvidas sobre as garantias de que os desvios hoje comuns no reino das filantrópicas não se repetiriam no novo sistema.


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