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Algumas coisas que ainda permanecem
ANA LÚCIA AMARAL
Os sinais que emanam dos tribunais, como o STF, são perturbadores. É essencial que a sociedade conheça o que se passa neles
NA ORIGEM, julgar era ato do
poder divino, sendo vestígios
dessa origem detalhes dos edifícios de tribunais, similares a templos. Ainda hoje, traços da Bíblia, de
seus simbolismos e ritos que são expressão de força são perceptíveis no
funcionamento das "Cortes".
Provavelmente explique porque,
no Brasil, o poder político sempre esteve associado aos bacharéis em direito, o tal "bacharelismo", marcante na
história nacional, com os "juristas" de
fala rebuscada, coisa para um círculo
fechado, exatamente para se manter o
poder. Muita retórica!
Um exemplo de tal estilo de exposição de pensamento é o artigo do advogado Sergio Bermudes, publicado em
15/3 neste espaço, em defesa do ministro Gilmar Mendes, por força da
matéria do repórter Frederico Vasconcelos. Mas os tempos são outros e
as instituições evoluem, felizmente
-ainda que com muita dificuldade.
Diferentemente de profissionais liberais e outros servidores públicos,
integrantes do Ministério Público
têm que agir com autonomia e independência, exigindo iniciativas motivadas pela estrita legalidade que forma sua convicção. Atribuição exclusiva do Ministério Público, a acusação
penal não lhe rende outros ganhos financeiros. Cumpre um dever.
A autonomia e a independência são
incompatíveis com a subserviência.
Daí por que o Ministério Público não
pode se curvar ao bordão "decisão judicial não se discute, se cumpre". O
ato de julgar é serviço público essencial, não delegação divina, e é pago pelo erário, devendo, sim, estar sujeito a
análises e críticas. E esse serviço público é prestado inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, composto por
seres humanos, imperfeitos e falhos.
As presunções relativas de moral
ilibada -que é obrigação de qualquer
servidor público- e de notório saber
jurídico (expressão já esvaziada de
conteúdo) não estão plenamente garantidas nem sequer em concursos
públicos, e não podemos ceder à hipocrisia de crer que o serão nas nomeações dos integrantes dos tribunais pelo chefe do Poder Executivo, sujeitas a
injunções nem sempre reveladas, o
que expõe o caráter político da mais
alta Corte do país.
Entenda-se: mais elevada não pela
proximidade com os céus, mas por ser
o processo judicial estruturado em
instâncias, na expectativa de que sucessivos reexames levem à decisão
mais correta, pondo fim aos conflitos.
São as últimas, mas não necessariamente as mais corretas e justas.
Os sinais que emanam dos tribunais, como o STF, são perturbadores,
parecendo esquecidos os julgadores
do papel pedagógico de suas decisões.
Como distinguir o certo do errado?
Talvez tal explique por que o mau
funcionamento do Poder Judiciário
faça parte do custo Brasil e, em boa
parte, seja responsável pela impunidade que dilacera o tecido social.
Dias atrás, foi solto o "skinhead"
que fez saltar de trem em movimento
dois seres humanos, pois o julgador
do STF, segundo o noticiado, entendeu que a gravidade do crime não bastava para manter alguém preso, tudo
em nome do princípio da presunção
de inocência. Enquanto os princípios
constitucionais continuarem sendo
invocados como mantras, desconectados da realidade, a escalada da criminalidade continuará.
No Estado democrático de Direito e
em respeito ao princípio republicano,
é fundamental que a sociedade conheça o que se passa nos espaços herméticos dos tribunais, que não se dá,
exatamente, como pretendeu fazer
crer o mencionado advogado. O homem comum tem que ser informado,
e a imprensa, apesar das dificuldades
decorrentes até da retórica jurídica,
tem buscado cumprir seu mister.
A reportagem atacada fugiu da mera adulação em relação às decisões do
STF. Depois que as coléricas manifestações do ministro Gilmar Mendes
contra o Ministério Público e alguns
de seus integrantes, nominados em
sessão pública naquele tribunal, ocuparam espaços em diferentes órgãos
da imprensa, este jornal trouxe informações que poderiam esclarecer a
motivação daqueles ataques.
Na oportunidade, discutia-se sobre
serem cabíveis ou não ações de improbidade contra certos agentes públicos, bem como qual seria o foro, em
primeiro grau ou no foro das ações
criminais, cujo desfecho repercutirá
em outra ação de improbidade, essa
de interesse pessoal do ministro Gilmar Mendes. Tecnicamente, Sua Excelência deveria se dar por suspeito,
dado que o advogado omitiu.
Após a defesa feita pelo referido advogado, a presidente do STF lançou
nota à imprensa reivindicando respeito às instituições. O mesmo deveria reclamar de seu colega, pois respeito é via de mão dupla.
ANA LÚCIA AMARAL é procuradora-regional da República da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul).
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