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O caos no transporte e a cidade tucana
CARLOS ZARATTINI
Agora, no fim do mandato, quando a crise do trânsito já explodiu, surge um tímido "pacote", um esparadrapo para conter uma hemorragia
NAS ÚLTIMAS semanas, a cidade de São Paulo vem tendo a
sensação de que vai parar pelo
excesso de congestionamentos.
Além das tradicionais reportagens
que destacam o "drama" de quem está
parado nos automóveis, dessa vez o
povo da zona sul resolveu protestar
de forma espontânea e mostrar insatisfação com o transporte coletivo.
Muitos colocam a responsabilidade
no crescimento econômico e no aumento de carros em circulação. Certos gestores municipais dizem que o
que mudou foi a forma de medição
dos congestionamentos. A culpa da
febre vai para o termômetro! "É inevitável", atestam os sábios.
Triste situação para uma prefeitura
que se elegeu com a palavra de ordem
do "planejamento". Como se essa não
tivesse sido a tônica do governo de
Marta Suplicy, que aprovou o Plano
Diretor e o Plano de Transporte, um
marco na história de São Paulo.
Triste, pois qualquer estagiário de
engenharia poderia intuir que o crescimento econômico levaria a essa situação. E que era necessário colocar
em prática um plano de reformulação
do sistema de circulação, privilegiando o transporte coletivo, aumentando
sua velocidade, melhorando sua qualidade tanto no tempo de espera como
no conforto dos veículos. Barateando
seu custo, ampliando o bilhete único.
A gestão PSDB/DEM vem demonstrando que não é ruim só de planejamento, mas deixou claro que também
é ruim na implementação.
Não ampliou os Passa Rápido e
abandonou os já existentes, diminuindo a fiscalização e a velocidade
média. Sucateou a CET, deixando os
operadores sem rádio e sem guinchos
para remover os veículos que atrapalham o trânsito. Agora, no final do
mandato, quando a crise do trânsito
explodiu, surge com um tímido "pacote" de obras -um esparadrapo para
conter uma hemorragia.
Essa incapacidade já havia sido demonstrada no governo estadual. Há
13 anos sob governo tucano, o Metrô
tem andado pouco. A linha 4, prevista
para ser entregue agora em 2008, só
será parcialmente entregue em 2011.
A linha 5 (que liga o Capão Redondo a
Santo Amaro) vive às moscas e está
parada desde 2002. Os problemas
operacionais que ocorrem quase diariamente são atribuídos ao bilhete
único e ao excesso de passageiros!
O que esperar dessa situação? Apenas que mais pessoas comprem carro
ou moto, aumentando os congestionamentos e alimentando um círculo
vicioso em que os ganhos de produtividade que se obtêm nas empresas
são perdidos na circulação. E a solução da elite é o pedágio urbano: só circula quem paga e quem tem.
Precisamos romper o círculo vicioso e retomar a dinâmica de melhoria
do transporte público que havia se estabelecido a duras penas durante o
governo Marta.
Há que ter coragem, agora, para impedir a circulação de caminhões de
grande porte pelas principais avenidas da cidade durante o dia. Essa imposição é fundamental para ganhar
espaço para os veículos que transportam quem tem hora para o trabalho.
Seria benéfica para os próprios transportadores, que fariam suas entregas
com maior agilidade. No entanto, no
sistema anárquico da nossa produção, só vai funcionar com uma decisão
da administração pública.
É necessário retomar o plano deixado pelo governo Marta, com 325
km de Passa Rápido e 204 km de vias
com tratamento preferencial para os
ônibus, dos quais foram construídos
71 km de corredores exclusivos e outros 35 km reformados, reduzindo em
40% o tempo de viagem dos usuários
das linhas que se utilizavam deles.
Urge adotar inovações, como o controle centralizado da operação -que
também foi abandonado-, transformar os corredores num metrô de superfície, com velocidade e segregação
da via. Dar passos adiante, adotando a
cobrança fora do veículo em pequenas estações.
Infelizmente, não podemos esperar
o tempo das obras do Metrô. É verdade que a prefeitura (e o governo federal) deve colaborar com os seus investimentos. Mas muito mais importante é chegar com o transporte de qualidade na periferia da cidade, evitando
que ali também prevaleçam os automóveis na circulação.
Temos que garantir a qualidade e o
conforto e baratear a tarifa, para que
centenas de milhares deixem seus
carros em casa ou em estacionamentos conectados com o transporte.
De nada adianta a simples maquiagem. O marketing político pode até
surtir resultados nas eleições, mas
não resolve os problemas da cidade.
O povo está cansado do descaso, encoberto com frases de efeito e medidas cosméticas. Infelizmente, o "pacote" de medidas da gestão Kassab
não será capaz de eliminar o gargalo
da falta de atitudes que seriam necessárias para fazer a cidade circular.
CARLOS ZARATTINI, 48, economista, é deputado federal
(PT-SP). Foi secretário municipal dos Transportes de São
Paulo (gestão Marta Suplicy).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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