São Paulo, sexta-feira, 20 de março de 2009

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Um dragão por vez

Num lance desesperado, Fed imprime dinheiro para produzir inflação e, assim, afastar o risco de depressão econômica

DE TODAS as ações conhecidas para frear a marcha da crise econômica, parece não restar nenhuma ao Federal Reserve. O banco central dos EUA oficializou anteontem sua mais radical cartada na luta contra a depressão. Vai imprimir dinheiro, uma montanha de dinheiro.
Nos próximos seis meses, o Federal Reserve se propõe a comprar US$ 300 bilhões -montante equivalente ao PIB da África do Sul- em títulos de longo prazo do Tesouro americano. É como se um grande comprador isolado, num mercado constituído de agentes bem menores e pulverizados, tivesse cacife para adquirir 1/5 do que fosse ofertado no período. Seu poder de interferir no preço da mercadoria seria incontrastável.
É essa a intenção do Fed. Mas a mercadoria em questão -obrigações de dívida assumidas pelo governo- tem as suas peculiaridades. Quando a procura por esses títulos aumenta e eleva, naturalmente, os seus preços, os juros que pagam diminuem.
A intervenção maciça do banco central americano tem, portanto, o objetivo de diminuir o custo do dinheiro nos Estados Unidos. Configura um passo anômalo, pois a cartilha dos bancos centrais pregava, até então, que sua intervenção ficasse restrita aos juros de curtíssimo prazo.Todos os cartuchos do Fed nesta seara foram queimados, no entanto, quando baixou a zero a taxa análoga à nossa Selic.
Outro traço peculiar da operação do Fed diz respeito aos recursos que mobiliza para comprar a dívida do Tesouro. Enquanto cidadãos e empresas se valem do que deixaram de consumir (poupança) para adquirir esses ativos, o banco central os compra literalmente do nada -ou da sua capacidade, única, de emitir dinheiro vivo, de acelerar as prensas da Casa da Moeda.
Mas imprimir dinheiro nessa velocidade, diz a cartilha, redunda em inflação. O Fed espera que este aspecto da doutrina econômica não esteja superado, pois não é outra a sua intenção. Almeja, num golpe desesperado, alterar as expectativas de consumidores, aplicadores e empresários sobre o futuro, as quais convergiam para a percepção de que os Estados Unidos estão em face de uma recessão longa e progressiva -uma depressão, que sempre implica deflação.
A julgar pela reação inicial, a ação do Federal Reserve surtiu efeito. Os juros de longo prazo nos Estados Unidos baixaram de patamar; os preços das commodities aumentaram (com o barril de petróleo voltando ao nível de US$ 50); Bolsas subiram. O dólar aprofundou sua desvalorização no mundo -o que é fundamental para que a demanda fora dos Estados Unidos ajude a impulsionar a indústria americana, através de suas exportações.
Voltou-se a enxergar, ao menos por ora, uma perspectiva de inflação nos Estados Unidos, e não apenas no longo prazo. Os riscos de essa operação do Fed dar errado são consideráveis. Se, por exemplo, a inflação for acelerada demais, oriunda de uma crise de confiança no dólar, as finanças mundiais estarão à porta de um cataclismo.
Mas os EUA não têm opção. Precisam enfrentar um dragão por vez -e o monstro da depressão é o que hoje os assombra.


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