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JOSÉ SARNEY
Um papagaio de Nabuco
A QUESTÃO DA raça negra ficou muito tempo fora dos
temas nacionais. Poucos homens públicos dela tratavam. O interesse era mais histórico e científico. Afonso Arinos foi o novo Nabuco no despertar do que significava o sofrimento e a segregação a
que estavam submetidos.
A Lei Afonso Arinos trouxe o tema ao público. Tornou crime a discriminação racial e fez ver o negro
como a população mais marginalizada do país. Juntei-me à sua visão
e fui do grupo restrito que sempre
achou ser a mancha da escravidão a
pior de nossa história e que a Independência, como dizia José Bonifácio, não se completou porque não
extinguimos a escravidão e não resolvemos a questão indígena, mantendo com esses a velha fórmula
colonial do enfrentamento, responsável pela sua dizimação.
Os escravos transformados em
homens livres ficaram sem trabalho e sem destino, párias que se arrastaram por décadas, sendo até
hoje entre os pobres os mais
pobres.
Lutei por acharmos um caminho
de ascensão da raça negra. Era presidente quando se comemorou o
Centenário da Abolição e criei a
Fundação Palmares, destinada a
dar condições de levar a raça negra
a sair da miséria e onde tratei do direito dos quilombolas. Infelizmente ela não alcançou todos os objetivos. Para sair do imobilismo, resolvi levantar a questão das cotas e
apresentei o primeiro projeto de lei
tratando do assunto: cota nas universidades e no serviço público.
Infelizmente, este tema também
se politizou, e a questão passou a
ser um conflito de raça, o que não
convém ao Brasil nem ao clima de
convivência que sempre vivemos.
Minha iniciativa era uma visão humanista, e não uma bandeira de
confronto político. Devemos voltar
ao tema sem desvios. Não deixemos descambar para a politicagem
uma causa tão nobre.
O necessário é resolvermos os
problemas do negro no Brasil, de
modo a que aqui também cheguemos a um Obama brasileiro, um
nosso Domingos ou João. Não se
desvirtue o problema das cotas. Ele
teve a grande vantagem de abrir o
debate da ascensão da raça negra e
assim deve ser encarado.
A Abolição custou muito. Que ela
se complete. Foi a maior causa a
unir a consciência nacional. Sua
grande voz, Nabuco, foi bater em
todas as portas e até fez amizades
que duraram tempos na Anti-Slavery Society, a cujo secretário, seu
amigo, agradava mandando papagaios de presente.
Mister Allen, chamava-se, escrevia-lhe que o papagaio não falava e,
por fim, que morrera com um câncer de garganta. Nabuco mandou
outro. Este também não falava,
mas um dia abriu o bico e disse à
cozinheira: "Polly, a chaleira está
fervendo".
Que não se deixe a chaleira ferver contra os negros.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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