São Paulo, sábado, 20 de março de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Táxi até o Leblon

SÃO PAULO - Um amigo diz que no Rio os taxistas tentam tungar o passageiro na malandragem, enquanto em São Paulo o achaque está institucionalizado. Quem "rouba" é o taxímetro. No final das contas, o táxi no Rio sai mais barato.
Mas desci no Santos Dumont disposto a resistir. Depois de recusar duas ofertas de R$ 60 para o Leblon -"preço fechado"-, parei o amarelinho mais mambembe da rua:
- Até o Leblon, pode ser?
- Quanto o doutor pagou da última vez? -ele perguntou de volta.
- Quero no taxímetro -respondi.
Abriu a porta da frente, contrariado. Afundei no banco, literalmente. O carro era imundo, não tinha ar condicionado. E, apesar do ar abafado, garoava.
- Chovendo muito por aqui?
- O doutor não viu nada. No domingo, isso aqui ficou tudo alagado. Um caos, doutor, um caos... Não sei como é que vai fazer Olimpíada assim, com as obras todas atrasadas.
Antes de avistar o Pão de Açúcar, já éramos praticamente íntimos.
Negro, em torno de 50 anos, óculos miúdos na cara, o taxista calçava havaianas nos pés e vestia um bermudão estampado. A barriga imensa mal cabia na camiseta regata.
E a Olimpíada era a sua obsessão:
- Se a Olimpíada fosse domingo passado, os atletas iam se locomover como, doutor? Tudo alagado!
- Ainda falta tempo, vão arrumar a cidade -disse eu, pouco convicto.
- A Olimpíada é pra ontem, é pra ontem, doutor!!! -ele repetia, inconformado com tanta letargia.
Enquanto ouvia, eu observava o carro. Amarrada ao taxímetro, havia uma figa de madeira, do tamanho de um abridor de garrafas, com duas fitinhas do Senhor do Bonfim. E pendurados no retrovisor, balançando na altura do meu rosto, um chinelo e um sapatinho infantis, com uma dupla de chupetas.
Tinha a sensação de estar de volta aos anos 70, viajando num pré-táxi. Desci no Leblon, por R$ 35, são e salvo. E fiquei imaginando o que terá sido feito daquele altar ambulante de souvenirs e mandingas quando a Olimpíada, finalmente, chegar.


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