|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
Sinistras semelhanças
BRUXELAS - São aterrorizantes os pontos de contato entre o texto do
ombudsman desta Folha, Marcelo
Beraba, no domingo, e o de Ángeles
Espinosa, enviada especial do jornal
espanhol "El País" ao Iraque, também no domingo.
Ambos tratam de guerra. Ambos
tratam da dificuldade de obter informações confiáveis durante a guerra.
O que assusta, no texto de Beraba, é
comprovar o que muitos dizíamos
quase como licença poética, ou seja,
que o Brasil vive uma guerra disfarçada, não-declarada.
De algum modo, é pior que no Iraque. Lá, os jornalistas ocidentais são
vistos com desconfiança porque têm
a nacionalidade dos invasores, e é
natural desconfiar destes.
No Brasil, os jornalistas são do mesmo país, mas o apartheid social permite que se diga deles que são também "ocidentais" se por essa designação se entender a classe social que fica do outro lado do muro.
A sensação de que há, sim, uma
guerra transparece com idêntica clareza da bela entrevista que Gilmar
Penteado, desta Folha, fez com o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos,
coordenador de um serviço pioneiro
que trata de vítimas de seqüestro tradicional ou relâmpago.
O trauma destas supera, não raro, o
de sobreviventes de guerra.
Ángeles Espinosa relata que, no
Iraque, os jornalistas perderam a
mobilidade por causa dos seqüestros.
Só se mexem dois tipos de jornalistas:
os que estão enquistados nas tropas
de ocupação e, por isso, vêem a guerra da torreta de um tanque, o que
não é o melhor lugar para uma visão
abrangente e plural, e os que trabalham para as redes árabes e vêem a
guerra do ponto de vista da resistência/terrorismo/guerrilha, o que é
também unilateral.
No Brasil, as informações da guerra
só saem da polícia, que nem tropa de
ocupação consegue ser, porque não
"ocupa" todo o território.
De certa forma, já estamos na situação assim descrita por Ángeles Espinosa: "Os jornalistas não se vão de
um país porque caem bombas; vão-se
quando não podem informar".
Texto Anterior: Editoriais: DOUTRINA SHARON Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Questão de limite Índice
|