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ANTONIO DELFIM NETTO
Choques e realidade
Há anos, a economia brasileira
tem sido submetida a um tratamento de "choque" que a coloca, permanentemente, à beira da histeria.
Mensalmente ela reage com angústia,
medo ou alegria às previsões catastróficas ou otimistas, produzidas por informações, algumas verdadeiras, outras contraditórias, envolvidas no
"bancocentralês" das atas do Copom
(Conselho de Política Monetária) brasileiro e do FOMC (Federal Open
Market Committee) americano. Tais
informações são, em geral, distorcidas
pelas "análises especializadas" das
instituições que lucram com a volatilidade (petróleo a US$ 105 o barril, diz a
Goldman-Sachs). No meio de tanta
perplexidade, gerada, de um lado, pelo excesso de rumores puramente opinativos e, de outro, pela ausência de
informações fidedignas, a Hedging-Griffo acaba de publicar um folheto
muito interessante, "Inflação e Juros
nos EUA: Tendências, Mitos e Realidade", organizado pelo senhor Luis
Stuhlberger.
Trata-se de uma análise relativamente objetiva, feita com metodologia simples, mas retoricamente competente, capaz de tranqüilizar o leitor
sobre uma série de "perigos" iminentes que se supõe estejam atrás de cada
esquina da economia americana. Um
certo viés monetarista ajuda a pôr a
ênfase no papel dos déficits públicos a
longo prazo e a relativizar sua influência sobre a taxa de juros nominal dos
títulos do Tesouro americano de dez
anos. A mudança na estrutura da demanda de tais papéis, que tem sustentado a sua estabilidade nominal, esconde uma redução da taxa de juro
real produzida por uma certa aceleração recente da taxa de inflação.
O trabalho antecipou a conclusão
principal da última ata do FOMC, que
afirmou que "ainda que o requerido
montante de aperto monetário possa
ter aumentado, os membros (do
FOMC) sugeriram que uma aceleração da política de aperto não parece
necessária neste momento".
É certo que a situação da economia
americana é delicada, que ela tem hoje
o maior déficit em conta corrente do
mundo, que seu déficit fiscal é imenso
e que os EUA são, hoje, os maiores devedores do mundo. Se não fosse um
país "wasp" (branco, anglo-saxônico e
protestante), não emitisse a moeda de
reserva internacional e não fosse uma
nação militarmente incontrastável, já
teria quebrado e estaria seguindo a
"cartilha do FMI".
O dólar ainda vai se desvalorizar, e
tanto mais quanto menos receber
cooperação de países (como a China)
que construíram sua indústria sobre
uma moeda subvalorizada. O que não
é certo é que o "conundrum" levantado por Greenspan (por que a taxa de
juro nominal dos papéis do Tesouro
de dez anos ainda não subiu?) seja, de
fato, um "enigma", diante da modificação da estrutura da demanda de tais
papéis, construída pela sua absorção
por parte dos bancos centrais dos países com imenso superávit fiscal e pelos
investidores individuais dos residentes em países com taxa de juro real
praticamente negativa.
A situação é certamente delicada,
mas a mania do Banco Central de
manter o país em permanente histeria
pela proximidade da tragédia americana está se desmoralizando pelo cansaço dos agentes.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br
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