São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005

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ANTONIO DELFIM NETTO

Choques e realidade

Há anos, a economia brasileira tem sido submetida a um tratamento de "choque" que a coloca, permanentemente, à beira da histeria. Mensalmente ela reage com angústia, medo ou alegria às previsões catastróficas ou otimistas, produzidas por informações, algumas verdadeiras, outras contraditórias, envolvidas no "bancocentralês" das atas do Copom (Conselho de Política Monetária) brasileiro e do FOMC (Federal Open Market Committee) americano. Tais informações são, em geral, distorcidas pelas "análises especializadas" das instituições que lucram com a volatilidade (petróleo a US$ 105 o barril, diz a Goldman-Sachs). No meio de tanta perplexidade, gerada, de um lado, pelo excesso de rumores puramente opinativos e, de outro, pela ausência de informações fidedignas, a Hedging-Griffo acaba de publicar um folheto muito interessante, "Inflação e Juros nos EUA: Tendências, Mitos e Realidade", organizado pelo senhor Luis Stuhlberger.
Trata-se de uma análise relativamente objetiva, feita com metodologia simples, mas retoricamente competente, capaz de tranqüilizar o leitor sobre uma série de "perigos" iminentes que se supõe estejam atrás de cada esquina da economia americana. Um certo viés monetarista ajuda a pôr a ênfase no papel dos déficits públicos a longo prazo e a relativizar sua influência sobre a taxa de juros nominal dos títulos do Tesouro americano de dez anos. A mudança na estrutura da demanda de tais papéis, que tem sustentado a sua estabilidade nominal, esconde uma redução da taxa de juro real produzida por uma certa aceleração recente da taxa de inflação.
O trabalho antecipou a conclusão principal da última ata do FOMC, que afirmou que "ainda que o requerido montante de aperto monetário possa ter aumentado, os membros (do FOMC) sugeriram que uma aceleração da política de aperto não parece necessária neste momento".
É certo que a situação da economia americana é delicada, que ela tem hoje o maior déficit em conta corrente do mundo, que seu déficit fiscal é imenso e que os EUA são, hoje, os maiores devedores do mundo. Se não fosse um país "wasp" (branco, anglo-saxônico e protestante), não emitisse a moeda de reserva internacional e não fosse uma nação militarmente incontrastável, já teria quebrado e estaria seguindo a "cartilha do FMI".
O dólar ainda vai se desvalorizar, e tanto mais quanto menos receber cooperação de países (como a China) que construíram sua indústria sobre uma moeda subvalorizada. O que não é certo é que o "conundrum" levantado por Greenspan (por que a taxa de juro nominal dos papéis do Tesouro de dez anos ainda não subiu?) seja, de fato, um "enigma", diante da modificação da estrutura da demanda de tais papéis, construída pela sua absorção por parte dos bancos centrais dos países com imenso superávit fiscal e pelos investidores individuais dos residentes em países com taxa de juro real praticamente negativa.
A situação é certamente delicada, mas a mania do Banco Central de manter o país em permanente histeria pela proximidade da tragédia americana está se desmoralizando pelo cansaço dos agentes.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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