São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Ratzinger e Bento 16
DENIS LERRER ROSENFIELD
A igreja é uma instituição de mais de 2.000 anos. Só ela teve uma tal longevidade, adaptando-se ao mundo, mas tentando, às vezes com as maiores dificuldades, ser leal aos princípios de sua fundação. O seu segredo se encontra provavelmente no fato de apenas lentamente ter incorporado exigências que se tornaram imprescindíveis com o desenrolar do tempo. A sua sabedoria consiste precisamente no seu conservadorismo, na manutenção de suas instituições, na sua organização jurídica e na sua abertura cautelosa às mudanças. Essas não podem ser abruptas, sob pena de porem em risco as suas próprias instituições. Uma igreja que mudasse constantemente, confundindo a moda com as exigências do tempo, sucumbiria rapidamente. Antoine Arnauld, um dos mais importantes teólogos do século 17, dizia que as verdades da religião são imperecíveis, o que muda são os costumes de cada época. Se esses são frouxos e não se adaptam às verdades eternas, o problema reside nos costumes, que são transitórios e efêmeros, e não nas verdades, que são absolutas. Essa parece ser a chave teológica que guia Ratzinger, orientadora agora das ações do papa Bento 16. Contudo cabe distinguir questões propriamente de princípio, que dizem respeito a verdades dogmáticas, das decisões da igreja que respondiam a problemas temporais dela própria. Assim, a instituição do celibato não é uma verdade sagrada, mas equacionou, na época em que foi criada, um problema específico, o da divisão dos bens da igreja, que via suas posses diminuírem em sucessões infindáveis. O que foi um problema de tratamento da herança não pode se tornar uma questão de princípio. De uma maneira análoga, a ordenação das mulheres exige um reposicionamento da igreja, pois, se há igualdade entre os sexos, não há por que discriminar um em detrimento do outro. As ordens femininas foram sempre da maior importância dentro da igreja, não havendo, assim, razões para que os seus membros sejam considerados pessoas de segunda ordem. A escolha de Ratzinger pelo conclave mostra que os cardeais optaram por uma igreja unificada do ponto de vista político e conservadora do ponto de vista teológico e moral. Diante de um mundo em profunda mudança, que tem modificado fortemente o cenário daquilo mesmo que se considera humano ou humanidade, a postura escolhida foi a de cautela, na perspectiva assinalada de um conservadorismo prudente. A idade do novo papa introduz, ademais, um outro fator: seu reinado não pode, por razões biológicas, ter a mesma duração do anterior; assim, suas eventuais propostas de mudança ou suas omissões serão testadas e sujeitas a uma avaliação em um outro conclave. Espera-se que o eminente teólogo Bento 16 saiba reconsiderar algumas de suas posições anteriores, relativas à moralidade, aprendendo com o tempo e distinguindo com maior perspicácia uma questão de princípio de uma propriamente política. Ao escolher um intelectual de prestígio, a igreja optou pelo pensamento. Denis Lerrer Rosenfield, 54, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da UFRS. @ - denisrosenfield@terra.com.br Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Cristiano Avila Maronna: As cores do espetáculo Índice |
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