São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Elis Regina e a dengue

RIO DE JANEIRO - Deve ter sido uma das heranças dos chamados anos de chumbo, que duraram de 1964 a 1985. A turma que nasceu neste período e a que veio logo após, de 85 para cá, adotaram uma simplificação da história que dificulta o decantado diálogo de gerações.
Tenho um amigo que me critica a mania de abordar qualquer assunto, desde a camada de ozônio da atmosfera ao último disco do Tom Zé, a partir das Guerras Púnicas. Gozação à parte, ele tem razão. Bem ou mal, tenho uma vaga noção das coisas que aconteceram a partir das expedições de Cartago contra Roma até o caso da menina que foi atirada pela janela em São Paulo.
Não é sabedoria, é apenas o acúmulo caótico de tudo o que vi, li ou imaginei ao longo de um tempo comprido.
Outro dia, conversei durante horas com uma jornalista de 30 e tantos anos sobre vários assuntos. Ela ficou admirada quando eu disse que antes de Elis Regina já havia acontecido muita coisa no mundo.
Tinha uma noção compacta de tudo o que poderia ter havido antes, mas, na cabeça dela, era um samba do crioulo doido, em que Jesus era enforcado por causa da queda da Bastilha, Tiradentes teria dado o tiro que matou Getúlio Vargas e Noel Rosa era o autor da "Marselhesa".
Contudo, a partir da Elis Regina, ela sabia tudo: o nome dos iluminadores do primeiro show da Rita Lee, o dia em que o gato do João Gilberto se suicidou e quantos intelectuais havia no banheiro do "Antonio's" quando o restaurante foi assaltado por bandidos.
Não estou fazendo apologia da minha discutível sapiência. Até as Guerras Púnicas, dou relativa conta do recado. Mas, daí para trás, embaralho tudo, botando na arca de Noé um casal de Aedes aegypti cujos descendentes geraram uma epidemia de dengue no Rio.


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