São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Uma ofensa ao mosquito

NUNCA ME considerei dramaturgo. O que tenho é uma grande paixão pelo teatro. Escrevi três peças com o simples propósito de colocar nos corações dos atores a emoção que, pela palavra impressa, nunca consegui transmitir aos meus leitores. Deu certo.
Uma delas, "SOS Brasil", denunciava as mazelas que atingiam o sistema de saúde do Brasil. O público entendeu bem, vibrou, chorou e se revoltou contra os políticos que só lembram dos doentes em época de eleição.
Um dos personagens era exatamente um candidato a deputado que se levantava às três da manhã, de quatro em quatro anos, para discursar na fila dos hospitais do SUS, onde se acotovelavam os pacientes que varavam a madrugada para serem atendidos.
Eu não poderia imaginar que, dez anos mais tarde, eu viria assistir na vida real ao que foi encenado no palco, ou seja, a disputa dos políticos em torno de uma tragédia humana, causada pelo descaso no controle de uma doença trivial que já infectou centenas de milhares de pessoas e que envergonha a obra magistral que o grande Oswaldo Cruz realizou no inicio do século passado.
A erradicação da febre amarela envolveu o combate a vários tipos de vetores, inclusive o mosquito Aedes aegypti. Os recursos eram precários, mas a saúde era encarada como uma grande riqueza do povo. Com humildade e com patriotismo, o grande brasileiro entregou-se à uma campanha ferrenha e vitoriosa.
Hoje, depois de quase um século, vemos as autoridades fazendo um jogo de empurra sobre medidas preventivas que não foram tomadas no momento certo. Chega a ser irônico assistir à discussão sobre a cidadania do mosquito, em que uns dizem que ele é nascido e criado no município, enquanto outros garantem que ele tem carteira de identidade estadual, havendo ainda uma boa parcela que vê no bolso do Aedes um passaporte nacional -e do tipo diplomático.
Oswaldo Cruz também usou métodos militares para garantir o sucesso da campanha contra a febre amarela. Mas o seu esforço se concentrou na prevenção da moléstia, por ele saber, desde criança, que era bem melhor prevenir do que remediar.
Será que essa triste tragédia servirá de lição às nossas autoridades sanitárias? Ou teremos de assistir, neste ano eleitoral, ao mesmo faturamento político que o deputado Praxedes fazia todas as noites no palco do "SOS Brasil"?
antonio.ermirio@antonioermirio.com.br


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