São Paulo, sábado, 20 de maio de 2006

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CLÓVIS ROSSI

O grito e o sono

SÃO PAULO - Há exatos 30 anos, pisei pela primeira vez em Nova York, absolutamente apavorado com a fama de cidade insegura. Havia até conselhos para não deixar de segurar firmemente a mala. Agarrei a minha como se tivesse algo valioso.
À noite, Alberto Quartim de Moraes, grande amigo, grande jornalista, hoje editor (de livros), fez questão de me levar ao Greenwich Village. Dizia conhecer a cidade. Fui. Descemos na estação errada do metrô, no meio do nada. Caminhamos umas tantas quadras, com os passos ressoando no asfalto, tal qual nos filmes de terror.
Senti saudade de São Paulo, uma cidade então quase civilizada.
Faz três anos, voltei a andar por Nova York, desta vez com Kenneth Maxwell, notável brasilianista e que, ele sim, conhecia bem Nova York. Andamos umas 15 quadras, do hotel em que ambos estávamos até o local do evento que nos levara a Nova York. Na ida, até que não tremi.
Apenas começava a escurecer e, se NY é a cidade que nunca dorme, como dizem os nova-iorquinos, não seria ao anoitecer que dormiriam. Logo, o movimento era suficiente para espantar os fantasmas da noite.
Na volta, já era quase meia-noite, mas, assim mesmo, sobrevivi sem sustos. Achei a cidade até bucólica, com porteiros de edifícios batendo papo na calçada, com a "elite branca" (e a negra também) levando cachorrinhos para passear, muita gente com roupa de festa saindo ou entrando de hotéis e clubes.
Não senti saudade de São Paulo, já transformada no horror que os ataques do PCC apenas expuseram com mais nitidez.
Em 30 anos, as duas cidades mudaram profundamente nessa área de segurança pública. Certamente haverá várias razões para explicar por que NY ficou bem mais segura. Mas eu apostaria que uma delas, essencial, é simples: sua gente nunca dorme diante das autoridades. Cobra, xinga, reclama, exige. Em São Paulo, como no resto do Brasil, aceitamos todos os insultos que os governantes nos fazem, bovinamente mansos.

@ - crossi@uol.com.br


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