São Paulo, terça-feira, 20 de maio de 2008

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Espuma tributária

Ao sugerir recriar CPMF, governo Lula dá nova mostra de sua carência de planos, compromissos e articulação política

HAVERIA um modo simples de o governo lidar com o mais novo ato de demagogia e irresponsabilidade fiscal oriundo do Congresso. Bastaria o presidente Lula deixar claro que vetaria o projeto prevendo alta progressiva nas despesas com a Saúde.
Mas, por medo do desgaste, o Planalto optou pela via tortuosa, cogitou ressuscitar a CPMF e forneceu mais combustível ao tema do que ele merecia -era para ser apenas uma farsa populista armada por parlamentares do governo e da oposição, com validade limitada ao período de campanhas municipais.
Só pode ser encarada como encenação eleitoreira a aprovação de um texto que obriga o governo a aumentar a parcela de sua receita bruta destinada à saúde, até chegar a 10% em 2011. Votada no Senado em abril com apoio entusiasmado da oposição tucano-demista, o projeto do petista Tião Viana (AC) não se preocupa, evidentemente, em apontar a origem dos cerca de R$ 25 bilhões em despesas que cria.
Para confirmar que o espírito da farra fiscal encarnou nos senadores naquela sessão, na ocasião foi extinto o fator previdenciário -ponto central da Reforma da Previdência da gestão FHC. Também foi estendida a todos os pensionistas do INSS a política de aumentos especiais reservada ao salário mínimo.
Com a Câmara propensa a endossar o cheque sem fundo que o Senado repassou à Saúde, o governo insuflou a idéia de recriar a CPMF. Talvez quisesse dissuadir os deputados de aprovarem a medida, atrelando-a a uma ação impopular. Talvez ensaiasse o popular "se colar, colou", pois a gestão Lula é parecida com a de FHC também na compulsão para avançar no bolso do contribuinte, atenuada apenas sob forte oposição da sociedade.
São, de resto, desgastantes, inúteis e amiúde fadados ao fracasso os exercícios hermenêuticos acerca de complexas maquinações estratégicas do governo. Idéias frágeis como a de recriar a CPMF quase sempre são resultantes de um entrechoque caótico de ações individuais de assessores. Constituem sintoma da carência crônica de planos, compromissos e articulação política no Palácio do Planalto.
Tamanha fragilidade ficou mais uma vez demonstrada ontem, quando o governo anunciou que não apresentará projeto para relançar o imposto do cheque. Deixou no ar a sugestão de que o Congresso o faça, algo improvável de acontecer a qualquer tempo, mais ainda em ano eleitoral.
Se estivesse preocupada em investir mais na Saúde, a gestão Lula não teria comprometido R$ 15 bilhões anuais em gastos permanentes com reajustes salariais de várias categorias de servidores. Caso houvesse compromisso com a melhoria da gestão na área, o projeto permitindo que fundações de direito privado administrem hospitais públicos já teria sido aprovado.
Lula, contudo, não quer indispor-se com ninguém. Nem com o funcionalismo, nem com o corporativismo sindical, nem com os eleitores, nem com a opinião pública. Seria demais esperar que algo, além de inércia, resultasse desse estilo de governar.


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