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ARIANO SUASSUNA
Cultura e televisão
Em 1998, Nelson Aguilar me procurou, convidando-me para ajudá-lo na exposição que, comemorando os 500 anos da presença portuguesa no Brasil, iria realizar-se, agora em
2000, na Bienal de São Paulo. No primeiro momento, envaidecido e honrado pela escolha, pensei em aceitar.
Mas, depois, pensando melhor, desculpei-me, pedindo-lhe que me dispensasse: achava que não reunia em
mim as condições pessoais e as qualidades que se exigiam para a tarefa.
Sou muito grato a Nelson Aguilar
pela delicadeza com a qual aceitou minhas ponderações e a aparente deserção que eu praticara. E, por um artigo
aqui publicado por Otavio Frias Filho,
vi que agira bem. Eu não fizera falta na
exposição, na qual foi contemplada
toda a arte brasileira, desde a rupestre,
a barroca e a popular até a contemporânea.
Agora, por intermédio de uma amiga, recebi um generoso presente,
constituído por todos os catálogos da
exposição. Por eles vi que pessoas como Emanoel Araújo e Frederico Pernambucano de Mello, com grande
competência, excederam, de muito,
qualquer coisa que eu tivesse podido
fazer para não decepcionar aquele que
me convidara.
Entretanto, junto com o presente, a
amiga mandou-me uma carinhosa
carta e o recorte de uma entrevista de
Silvio Santos -entrevista essa que me
mostrou, mais uma vez, como é penosa e difícil a luta de todos nós que sonhamos com uma televisão brasileira
e ligada à cultura. Enquanto a lia, a impressão que tinha era que, num pesadelo, eu estava assistindo a um diálogo
de surdos e dementes. E, o que é pior,
de certa forma tomando parte nele, ao
escrever aqui.
Na entrevista, Silvio Santos declara
que o povo brasileiro é pobre e não
tem, como os empresários, condições
de viajar para a Europa ou para os Estados Unidos a fim de "ouvir ópera".
Quer é se divertir, motivo pelo qual,
na emissora dele, quem tem ibope
mostra o que bem quer e entende. E
passou a narrar o diálogo travado entre um censor do regime militar brasileiro e ele próprio. Diz Silvio Santos
que , indo aos Estados Unidos, foi ver
dois filmes pornográficos, o que fez
"escondido de sua mulher". Ao voltar
ao Brasil, recebeu, do censor, uma reclamação pelos "programas imorais"
que o SBT estava exibindo. Respondeu que nos Estados Unidos vira coisa
pior. E o censor -segundo ele, "dando-lhe uma lição de moral"- retrucou que, nos Estados Unidos, tendo
dinheiro, um homem vê cenas como
aquelas, fica excitado, sai e paga uma
prostituta para saciar seu desejo. Mas,
no Brasil, sem poder pagar a ninguém,
sai e estupra a primeira mulher que
encontra.
Li outro dia num jornal que o país
governado pelo presidente Clinton é
detentor de um dos maiores índices
de estupro no mundo. Mas não vou
alegar isso ao censor. Nem vou perguntar a Silvio Santos por que, tendo
dinheiro e indo ao Estados Unidos,
não foi ver a ópera "Don Giovanni",
de Mozart, ou a suíte "Petrushka", de
Stravinsky; e sim, escondido da mulher, "Garganta Profunda" e "O Diabo
no Corpo de Miss Jones". Também
não vou indagar se ele conhece realmente o povo brasileiro e sua arte, para ficar dizendo por aí o que é que as
pessoas do Brasil verdadeiro desejam
ou não desejam ver. Não vou fazer nada disso, porque, com dois cidadãos
como os que travaram tal diálogo, não
dá nem para começar a discutir um
problema grave como esse.
Ariano Suassuna escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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