São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Da saúva à corrupção

A corrupção no Brasil transformou-se em uma doença endêmica. Isso não é privilégio nosso. A patologia existe em outros países, embora com tratamento bem diferente do que é usado no Brasil.
Os estudos sobre corrupção são relativamente novos, mas já chegaram a conclusões bastante sólidas. Uma delas diz respeito a íntima relação que existe entre o excesso de burocracia e as práticas ilegais. Na verdade, burocracia e corrupção não podem ser tratadas de forma separada.
Em um estudo recente, identificou-se que 1) a corrupção em uma parte da máquina pública tende a gerar corrupção em outra parte; 2) o excesso de regulamentação potencializa a prática da corrupção; 3) o emaranhado de leis, decretos, portarias e regulamentos complexos instigam os burocratas e os corruptores a praticar a corrupção (Sergei Guriev, "Red Tape and Corruption", Oxford: Elsevier, 2004).
Essas conclusões parecem vir a calhar no caso brasileiro, no qual se costuma criar dificuldades para vender facilidades. A corrupção é uma praga generalizada nos governos e até mesmo dentro das grandes empresas. Ninguém escapa. Por isso, aquele que diz não existir corrupção na organização em que trabalha tende a estar redondamente enganado.
Os custos do excesso de burocracia são bem conhecidos. As pessoas e as firmas gastam tempo e recursos excessivos para vencer os trâmites administrativos. Isso trava os negócios e impede o crescimento.
É daí que vem a tentação à corrupção. Toda vez que, cansado ou desanimado, o agente econômico decide "engraxar" os burocratas, ele cai numa armadilha da qual jamais se livrará. Corrompidos e corruptores podem até resolver seu problema de imediato, internalizando os benefícios. Mas todos os custos são passados a toda a sociedade.
Corrupção gera corrupção. É uma roda que não pára de rodar. O cipoal de complicações burocráticas é criado em nível superior, mas a corrupção é praticada em uma longa hierarquia de níveis inferiores de tal modo que uma boa parcela da máquina pública passa a operar na base da corrupção. Em outras palavras, o excesso de burocracia gera corrupção endêmica, que se alastra por todos os órgãos públicos e se infiltra nas grandes empresas, com raras exceções.
Em suma, a corrupção é uma doença altamente contagiosa e para a qual não há cura. Nesse sentido, a corrupção se assemelha às doenças crônicas, como o diabetes. Não há cura, mas o controle contínuo pode reduzir drasticamente os seus efeitos secundários. Muitos países possuem programas explícitos de combate à corrupção, que incluem, entre outras coisas, a simplificação das burocracias, a exposição pública dos corruptos e corruptores e as penalidades legais efetivas.
Nesse campo, como no do crime e no da violência, mais importante do que leis enérgicas é a implementação dessas leis para que isso sinalize aos potenciais protagonistas da corrupção o que pode ser o seu destino.
Isso está fazendo falta no Brasil. O que não podemos é continuar tapando o sol com a peneira.
Lembremos do velho refrão: ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil...


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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