São Paulo, domingo, 20 de junho de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Nos tempos da onça

RIO DE JANEIRO - Uma pena que o anti-semitismo e o integralismo entusiástico de Gustavo Barroso tenham apagado o mérito de sua produção literária. Mal comparando, ele repete em menor escala o caso de Wagner, que nunca será reabilitado totalmente da fúria ideológica que tornou sua obra polêmica.
Nos anos 40, Gustavo Barroso publicou um livro merecidamente esquecido devido aos excessos de uma paranóia que pode ser atribuída mais a uma doença do que à perversão cultural.
O livro em questão é "Brasil, Colônia de Banqueiros", historiando os empréstimos do Império e da República de 1824 a 1934. Há vários trechos que, descontada a paranóia ou a perversão, continuam atuais, explicando como se processa a política (ou o negócio) dos empréstimos internacionais.
Com base em dados oficiais, ele analisa o empréstimo feito ao Brasil por ocasião da nossa independência política, em 1822. O valor da operação foi de 12.397.777$777 (réis). Custou ao país 60.348.179$393. Quase cinco vezes o valor inicial.
E pior: de certa forma, até hoje estamos pagando essa dívida embutida nos juros de operações mais recentes, não mais feitas em libras esterlinas, como no tempo do Império, mas em dólares. Foi, como disse Gustavo Barroso, "o começo do giro de um parafuso sem fim".
Citando Amaro Cavalcanti, o escritor cearense verificou que o Império legou à República uma dívida de 30.283.200 de libras, nascida de um empréstimo de apenas 3 milhões de libras. Cita igualmente Oswaldo Aranha, ministro da Fazenda de Vargas, em relatório publicado no "Diário Oficial" de 7 de fevereiro de 1934:
"Em contos de réis, o Brasil recebeu 10 milhões mais ou menos, pagou oito milhões e meio e ainda deve de capital quase 10 milhões, sem contar o serviço de juros".
São coisas do tempo do onça. Ficam atuais porque a onça continua bebendo a nossa água.


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