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A Suprema Corte enfim contra Guantánamo
CANDIDO MENDES
Os EUA continuam rachados entre a nação das liberdades fundamentais e o governo da "civilização do medo" sem quartel
A SUPREMA Corte americana finalmente pôs abaixo o escândalo de Guantánamo, assegurando defesa judicial civil aos prisioneiros, que há seis anos vivem nas
jaulas de ferro do presídio do horror.
Assim, fez valer o respeito visceral à
Constituição americana, que assegura o direito de defesa a esse grupo pestiferado pelo governo Bush como dos
"combatentes insurgentes" presos no
Afeganistão e no Iraque.
A vitória, entretanto, foi por um voto, tanto quanto, neste momento, é de
menos de 2% a América que preferirá
Obama a McCain nas próximas eleições. Continua o país apocalipticamente rachado na sua visão de futuro
entre a nação das liberdades fundamentais e o governo da "civilização do
medo" sem quartel.
O mais dramático é o quanto a minoria perdedora na Supremo Corte
não mede palavras, como o fez o juiz
Antonin Scalia, declarando que não
há barreiras jurídicas na luta contra o
terror para defender os americanos
contra o radicalismo islâmico.
Bush também, mostrando o desagrado contra a decisão "leading", deixa explícito que prevalece um Estado
de Direito contra a agressão iniciada
pela queda das torres e que bastam os
procedimentos militares atuais para
julgar os criminosos a seu tempo.
Não se trata, apenas, do agravo
frontal às convenções de Genebra,
com a criação da figura esdrúxula dos
"combatentes insurgentes", da recusa
americana a aceitar a figura dos crimes contra a humanidade e o Tribunal de Haia. Pela maioria mínima, a
Suprema Corte não afundou na legitimação, pelos Estados Unidos, de um
quadro hegemônico internacional e
da situação objetiva de luta permanente contra os inimigos do país, para
além, inclusive, das convenções da
guerra, como acolhidas na entrada do
novo século.
Mais grave ainda é o quanto
McCain, neste momento, confirma
que sua ida à Casa Branca se torna de
fato um terceiro mandato de Bush, no
apoio integral que se implantaria à
guerra preemptiva.
Atente-se que o próprio presidente
da Suprema Corte, John Roberts Jr.,
foi o autor da lei de exceção contra o
terrorismo, ora condenada pela escassíssima maioria libertária daquele
tribunal. Não nos esqueçamos também de que, ao lado de Scalia e de Roberts, os demais votos pelas restrições
ao Estado de Direito na democracia
americana são da última safra das indicações de Bush.
Obama mostrou de imediato o "buraco negro" em que entraria o país se
vingasse o entendimento derrotado e
que extrema o seu conservadorismo
numa visão sem meias palavras na luta contra um radicalismo associado a
um credo e uma cultura.
Só se reforçariam, nesses termos,
os piores presságios da visão hegemônica relacionada diretamente a uma
guerra de religiões, e o Ocidente, à civilização digna da cidadania e do reconhecimento de seus direitos.
O que é radicalismo islâmico? Como sair da subjetividade desabrida no
definir inimigos e associar os antagonistas dos Estados Unidos à barbárie
contemporânea?
Assentam-se, cada vez mais, a opção pelo voto presidencial em novembro próximo e o sentido de escolha
por Obama nesse pleito.
A democracia americana mostra
hoje o seu reverdecer, na profundidade das raízes do seu povo, fazendo
despontar um candidato absolutamente imprevisível para devolver à
nação as suas liberdades fundadoras.
As duas Américas nunca chegaram
a uma confrontação tão dramaticamente simétrica. Mas o país de Barack Obama não deixa dúvidas quanto a tirar a nação de Jefferson e Lincoln, ou Roosevelt, da condição de refém de um mundo aparelhado para o
medo sem volta.
CANDIDO MENDES, 80, membro da Academia Brasileira
de Letras e da Comissão de Justiça e Paz, é presidente do
"senior Board" do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura).
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