São Paulo, segunda, 20 de julho de 1998

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De guerras, maçanetas e malas

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Terminada a Primeira Guerra Mundial, o êxodo rural aumentou nos EUA. Entre os que trocaram o campo pela cidade, havia levas de soldados que, de volta das batalhas na Europa, retomavam a vida.
Uma música lançada antes do final da guerra antecipou, por assim dizer, o movimento em direção aos grandes centros. "Como vamos segurá-los (os soldados) na fazenda depois que conheceram Paris?", indagava a letra.
O leitor deve estar imaginando que falaremos sobre os EUA. Não, não. Pede-se inclusive que esqueça os dois primeiros parágrafos.
Interessa-nos apenas a pergunta da canção: "Como vamos segurá-los na fazenda etc, etc...". Ela ainda poderá nos ser útil.
Uma estranha epidemia se alastra pela América Latina, eis o tema que nos interessa. O vírus do continuísmo foi inoculado na corrente sanguínea de alguns presidentes latinos.
Seus efeitos são nefastos. Infectado, o sujeito passa a imaginar que é insubstituível como Deus. Em estágios mais avançados, acha que é, ele próprio, dotado de poderes divinos.
Os casos mais graves são os de Menem e Fujimori. Eleitos uma vez, manobraram por um segundo mandato. E agora buscam um terceiro.
A síndrome do continuísmo, incurável e contagiosa, se desenvolve em ambientes de fluidez cívica, em que a oposição não consegue se viabilizar como alternativa.
A julgar pelo resultado das últimas pesquisas, também FHC obterá um segundo mandato. E poucos crêem que se contentará com oito anos. Eleito, desejará mais. Nem que seja como presidente sob um regime parlamentarista.
Volte-se à pergunta do início. Ou a variantes dela, aplicáveis a FHC. Quem irá segurá-lo em casa depois que conheceu as delícias do Alvorada? Quem irá convencê-lo a virar a maçaneta da porta, a segurar a própria mala, depois que conheceu a comodidade de um ajudante-de-ordem?



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