São Paulo, segunda, 20 de julho de 1998

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Depois da Copa

BORIS FAUSTO

Passada a febre de entusiasmo, passada a decepção, vale a pena meditar sobre um fato inusitado: a acolhida que os jogadores brasileiros tiveram na chegada a Brasília. É claro que não havia euforia nem a imensa multidão que estaria presente caso o Brasil alcançasse o título. Mas, considerando o balde de água fria lançado na véspera, havia muita gente e até algum calor na recepção.
Como explicar esse fato? Rescaldo apenas de uma identificação com os jogadores que a televisão se encarregara de potenciar? Não creio. Penso que há aí um indício de algo novo.
Lembro a imagem e a frase de Bebeto diante das câmeras. A imagem estampava satisfação, e a frase que a reforçava era bastante reveladora: "Alguma coisa está mudando". A mudança refere-se ao fato de que, pela primeira vez, foi aplaudida uma seleção brasileira que deixou de ser campeã, valorizando-se um segundo lugar obtido, afinal de contas, no continente e no país do adversário.
É um lugar-comum estabelecer um contraste entre a qualidade de nosso futebol e nossos problemas sociais e políticos. Nessa perspectiva, afirma-se que somos fantásticos no futebol, imbatíveis se não fosse a CBF, mas um completo desastre na área social e política.
A manifestação de Brasília sinaliza uma percepção diversa no campo esportivo: somos muito bons no futebol, mas jogamos contra adversários que podem ser às vezes melhores do que nós. Essa constatação tem semelhança com algo que se insinua no campo sociopolítico.
As pesquisas de opinião têm indicado que é majoritário o contingente de pessoas que se declaram satisfeitas com suas vidas. Isso não significa que elas sejam conformistas diante dos inúmeros problemas que, no dia-a-dia, são obrigadas a enfrentar.
A afirmação otimista decorre, a meu ver, de uma comparação positiva entre a experiência de vida em anos passados e a experiência do presente. Aliás, quando considerados ao longo do tempo, os indicadores sociais, em muitos setores, demonstram que essa comparação não é ilusória.
As duas pontas, em vez de ser contrastantes, vão se aproximando. Em ambas, esboça-se uma atitude menos maniqueísta: nem somos divinos no futebol nem andamos tão mal na vida social e política. Em ambas, começa-se a perceber a distância que há entre nossos desejos e a realidade.
Um número cada vez maior de pessoas reconhece os fatos de que é impossível ser sempre campeão do mundo e de que alcançar um vice-campeonato não é desprezível, como sempre se acreditou. Um número cada vez maior de pessoas, por sua vez, sabe que, se é necessário trabalhar e encontrar formas criativas na busca de melhores condições de existência, os avanços se medem por décadas e não pela escala do curto prazo.
Partindo de onde partimos, se conseguirmos chegar, na área social e dos costumes políticos, a uma posição intermediária relativamente aos demais países, teremos boas razões para comemorar o fato, como se tivéssemos alcançado um título mundial.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.



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