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Depois da Copa
BORIS FAUSTO
Passada a febre de entusiasmo, passada a decepção, vale a pena meditar
sobre um fato inusitado: a acolhida
que os jogadores brasileiros tiveram
na chegada a Brasília. É claro que não
havia euforia nem a imensa multidão
que estaria presente caso o Brasil alcançasse o título. Mas, considerando
o balde de água fria lançado na véspera, havia muita gente e até algum calor
na recepção.
Como explicar esse fato? Rescaldo
apenas de uma identificação com os
jogadores que a televisão se encarregara de potenciar? Não creio. Penso
que há aí um indício de algo novo.
Lembro a imagem e a frase de Bebeto diante das câmeras. A imagem estampava satisfação, e a frase que a reforçava era bastante reveladora: "Alguma coisa está mudando". A mudança refere-se ao fato de que, pela
primeira vez, foi aplaudida uma seleção brasileira que deixou de ser campeã, valorizando-se um segundo lugar
obtido, afinal de contas, no continente e no país do adversário.
É um lugar-comum estabelecer um
contraste entre a qualidade de nosso
futebol e nossos problemas sociais e
políticos. Nessa perspectiva, afirma-se
que somos fantásticos no futebol, imbatíveis se não fosse a CBF, mas um
completo desastre na área social e política.
A manifestação de Brasília sinaliza
uma percepção diversa no campo esportivo: somos muito bons no futebol, mas jogamos contra adversários
que podem ser às vezes melhores do
que nós. Essa constatação tem semelhança com algo que se insinua no
campo sociopolítico.
As pesquisas de opinião têm indicado que é majoritário o contingente de
pessoas que se declaram satisfeitas
com suas vidas. Isso não significa que
elas sejam conformistas diante dos
inúmeros problemas que, no
dia-a-dia, são obrigadas a enfrentar.
A afirmação otimista decorre, a meu
ver, de uma comparação positiva entre a experiência de vida em anos passados e a experiência do presente.
Aliás, quando considerados ao longo
do tempo, os indicadores sociais, em
muitos setores, demonstram que essa
comparação não é ilusória.
As duas pontas, em vez de ser contrastantes, vão se aproximando. Em
ambas, esboça-se uma atitude menos
maniqueísta: nem somos divinos no
futebol nem andamos tão mal na vida
social e política. Em ambas, começa-se a perceber a distância que há entre nossos desejos e a realidade.
Um número cada vez maior de pessoas reconhece os fatos de que é impossível ser sempre campeão do mundo e de que alcançar um vice-campeonato não é desprezível, como sempre
se acreditou. Um número cada vez
maior de pessoas, por sua vez, sabe
que, se é necessário trabalhar e encontrar formas criativas na busca de melhores condições de existência, os
avanços se medem por décadas e não
pela escala do curto prazo.
Partindo de onde partimos, se conseguirmos chegar, na área social e dos
costumes políticos, a uma posição intermediária relativamente aos demais
países, teremos boas razões para comemorar o fato, como se tivéssemos
alcançado um título mundial.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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