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CLAUDIA ANTUNES
Razões do preconceito
RIO DE JANEIRO - Dizem que os brasileiros têm preconceito contra os ricos. É uma generalização que ressurge como defesa dos afetados pela
mais recente onda de quebras de sigilos fiscais e bancários. O presidente
do Banco Central, Henrique Meirelles, foi um que usou o argumento para explicar o estranhamento diante
de suas movimentações financeiras
milionárias. São somas normais, disse, para quem presidiu um dos maiores bancos do mundo.
É possível que o preconceito exista
há muito, fruto da tradição católica
que condenava a usura enquanto a
hierarquia religiosa acumulava propriedades e luxos. Mas a realidade,
em vez de contribuir para reduzi-lo,
dá boas razões para que persista. Que
outra conseqüência esperar quando
se toma conhecimento, por exemplo,
de que doleiros movimentaram em
cinco anos US$ 873 milhões em uma
conta-mãe do Chase Manhattan, dinheiro enviado sem registro?
Cifras como essa, ou mais altas ainda (fala-se em até US$ 20 bilhões girados pelo mesmo esquema), soam
intangíveis para uma população na
qual 85% das famílias têm renda de
até R$ 3.000, segundo a Pesquisa de
Orçamentos Familiares, do IBGE. A
movimentação ilegal desse dinheiro
só reforça as crenças muito disseminadas de que, primeiro, no Brasil
poucos enriquecem honestamente e,
segundo, que os ricos não contribuem
como poderiam para a melhoria da
sociedade em que vivem.
Faz algum tempo que Celso Furtado diagnosticou a tendência ao consumo supérfluo e ostensivo das elites
como uma das causas da desigualdade brasileira. Gasta-se demais, poupa-se pouco e investe-se menos ainda. As investigações do Ministério
Público e da Polícia Federal demonstram que muitas vezes a poupança
existente não tem origem nem destino lícitos. Apontar o preconceito como arma para restringir o poder de
quem investiga e expõe crimes contra
a economia não vai acabar com as
evidências que o alimentam.
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