São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2004

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CLAUDIA ANTUNES

Razões do preconceito

RIO DE JANEIRO - Dizem que os brasileiros têm preconceito contra os ricos. É uma generalização que ressurge como defesa dos afetados pela mais recente onda de quebras de sigilos fiscais e bancários. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi um que usou o argumento para explicar o estranhamento diante de suas movimentações financeiras milionárias. São somas normais, disse, para quem presidiu um dos maiores bancos do mundo.
É possível que o preconceito exista há muito, fruto da tradição católica que condenava a usura enquanto a hierarquia religiosa acumulava propriedades e luxos. Mas a realidade, em vez de contribuir para reduzi-lo, dá boas razões para que persista. Que outra conseqüência esperar quando se toma conhecimento, por exemplo, de que doleiros movimentaram em cinco anos US$ 873 milhões em uma conta-mãe do Chase Manhattan, dinheiro enviado sem registro?
Cifras como essa, ou mais altas ainda (fala-se em até US$ 20 bilhões girados pelo mesmo esquema), soam intangíveis para uma população na qual 85% das famílias têm renda de até R$ 3.000, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE. A movimentação ilegal desse dinheiro só reforça as crenças muito disseminadas de que, primeiro, no Brasil poucos enriquecem honestamente e, segundo, que os ricos não contribuem como poderiam para a melhoria da sociedade em que vivem.
Faz algum tempo que Celso Furtado diagnosticou a tendência ao consumo supérfluo e ostensivo das elites como uma das causas da desigualdade brasileira. Gasta-se demais, poupa-se pouco e investe-se menos ainda. As investigações do Ministério Público e da Polícia Federal demonstram que muitas vezes a poupança existente não tem origem nem destino lícitos. Apontar o preconceito como arma para restringir o poder de quem investiga e expõe crimes contra a economia não vai acabar com as evidências que o alimentam.


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