São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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Mesmo discurso

No horário eleitoral, candidatos se igualam e não apresentam propostas claras para a sociedade brasileira

SAÚDE, segurança, educação e moradia. Muito emprego e crescimento. Não há candidato, neste início de horário eleitoral, que não enumere tais "prioridades" como se fossem exclusivamente suas, usando o tom preciso de quem as definiu depois de longo escrutínio técnico.
Listas desse tipo serviriam melhor, na verdade, como alternativas aos tradicionais votos que se formulam nos cartões de fim de ano. Apresentadas como simulacros de programa de governo, vêm insultar, mais uma vez, a inteligência do eleitor.
O fenômeno não reflete apenas a submissão de praxe ao marketing eleitoral. Reflete também um antigo vício da política brasileira: a tentativa sistemática de evitar qualquer dissenso.
Não é obrigatório que seja assim. Nas eleições presidenciais norte-americanas -onde o marketing decerto não desempenha papel menor do que aqui-, por exemplo, pode-se perceber que, tanto quanto a reafirmação de valores e idéias comuns, parte dos próprios candidatos o interesse em fixar as linhas que os dividem e suas mútuas diferenças programáticas.
Mesmo que isso acarrete prejuízo eleitoral, os candidatos não evitam questões polêmicas. Raras vezes, no Brasil, ocorre algo equivalente. Vota-se pela continuidade ou não de determinado governante, sem que suas propostas e as de seus oponentes de fato se confrontem.
Ainda que os termos do debate fossem passíveis de crítica, a experiência recente do referendo sobre o comércio de armas constituiu um exemplo interessante de questão em que, bem ou mal, a opinião pública se dividiu, aprofundou seus argumentos, hesitou, discutiu e por fim chegou a um veredicto.
Costuma-se repetir que governar é eleger prioridades. Tudo, entretanto, é prioridade quando o que atende por esse nome corresponde apenas ao conjunto das necessidades básicas da população.
Tanto quanto aprovar ou reprovar as condutas de quem ocupa um cargo púbico, em uma eleição deveriam estar em jogo alternativas claramente diferenciadas sobre como resolver problemas essenciais da sociedade brasileira. A política é o único meio de que se dispõe para decidir civilizadamente que setores perdem, que setores ganham, que meios se empregam, e a que custo, ao definir-se o futuro de um país.
Prioridades vagas não substituem programas de governo, e mesmo estes dizem pouco se não explicitam os mecanismos legislativos, administrativos e financeiros pelos quais serão implementados. Não se trata de exigir um enfoque tecnocrático -sem dúvida enfadonho- à campanha sucessória, mas sim de cobrar uma abordagem verdadeiramente política do debate.
Cabe convir, de todo modo, que nenhuma discussão concreta de programas, mesmo se detalhada, poderia ser tão cansativa e estéril a esta altura quanto a rotina de "prioridades", acenos e sorrisos que compõe o horário eleitoral.


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