São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

Doha x Brasil

O SENHOR PEDRO de Camargo Neto é um profissional de coragem e competência reconhecidas no setor agrícola. Em excelente entrevista dada à revista "Veja" (13/8/08), ele talvez tenha sido um pouco rigoroso na apreciação do papel desempenhado pela diplomacia brasileira.
Ao contrário, entretanto, de outros críticos doidivanas pendurados em princípios que pensam científicos, mas que mal disfarçam sua ideologia, ele disse uma verdade muito dura e dolorosa que não tem nada a ver com o Itamaraty.
Tem a ver com o Brasil.
Em resposta à pergunta "o que significa o fracasso de Doha?", o senhor Camargo Neto ponderou: "Não é nenhuma tragédia. No Brasil, houve uma glamourização do tema. Doha ganhou importância desproporcional ao seu alcance.
Durante as negociações, a culpa pelas mazelas agrícolas brasileiras foram convenientemente depositadas sobre o protecionismo dos países ricos. Nos últimos cinco anos, Doha foi vista como uma espécie de remédio mágico contra as doenças endêmicas do agronegócio. Esse simplismo prestou-se a esconder deficiências internas muito piores que os efeitos do protecionismo dos países ricos".
Seu exemplo numérico é definitivo: se erradicasse a febre aftosa, o Brasil poderia elevar em dez vezes a sua exportação de carne suína em relação à oferta da União Européia apresentada em 2002...
Trata-se de um problema trágico. A doença chegou até nós em 1895, importada junto com reprodutores europeus. Tem sido combatida, intermitentemente, sem o necessário vigor e continuidade, desde o início dos anos 60 do século passado. Em 2002/04, parecia completamente eliminada.
Infelizmente remanescem focos que têm servido para destruir a imagem da pecuária brasileira -hoje a mais importante exportadora mundial, mas que ainda é 40% clandestina em relação aos controles fiscal e sanitários internos.
Em 2005, quase 50 países estabeleceram restrições às nossas exportações, resultado da irresponsabilidade de alguns pecuaristas, abatedores e frigoríficos combinada com a de nossas autoridades, que até agora foram incapazes de construir o sistema crível de controle sanitário e rastreamento que prometemos aos importadores. A sobrevivência e ampliação de nossas exportações no longo prazo dependem do cumprimento dessa promessa, pois é grave miopia continuar a pensar que no longo prazo apenas o Brasil será capaz de ampliar a oferta de carnes ao mercado mundial.
Tem razão, portanto, o senhor Camargo Netto: esqueçamos as dores de Doha e tratemos de curar os males que dependem de nós.

contatodelfimnetto@uol.com.br


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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