São Paulo, quarta-feira, 20 de agosto de 2008

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RUY CASTRO

Descompasso

RIO DE JANEIRO - De 1973 a 1975, morei fora do Brasil. Não porque fosse obrigado, mas a serviço mesmo, numa revista em Portugal. Nesses três anos quase completos, vim duas vezes ao Rio, de férias. Mas férias são férias, e não me preocupava em tirar o atraso sobre o que acontecera na minha ausência. Com isso, coisas importantes ficaram em branco para mim -porque ainda não existiam quando fui embora e já tinham acabado quando voltei de vez.
Uma delas foi o Secos & Molhados. Em Lisboa, ouvia falar de um grupo musical andrógino em voga no Brasil, mas não tinha idéia do que significava. E continuei sem ter porque, quando voltei, eles já se tinham desfeito. Ney Matogrosso, claro, revelou-se individualmente; ouvi-o e fiquei seu fã.
Outro que foi do apogeu à queda na minha ausência foi Raul Seixas. Todas as canções que fizeram a sua glória surgiram no período. Ou em parte dele, porque, quando cheguei de volta, ninguém mais parecia saber que ele existia. E assim continuou até sua morte, em 1989, quando, ato contínuo, Raul foi promovido a sacerdote, profeta, deus etc.
Para se ver o risco de se passar algum tempo fora. Um amigo meu marchou para o exílio em 1969 e, quando voltou, dez anos depois, causava certo desconcerto em sociedade ao dizer coisas como "é uma brasa, mora", "fulana é duca" e "mamãe passou açúcar ni mim", que já não se usavam há séculos.
Estou contando isto porque, num único mês em que andei pelas estranjas, em junho último, houve uma operação chamada Satiagraha, envolvendo figurões em tramóias, propinas e subornos. A Polícia Federal prendeu um banqueiro e uma fieira de bagrinhos. Antes que eu voltasse, a maioria já estava na rua. E, na semana passada, foi solto o último preso. Mais um pouco, e eu juraria que a operação não existiu.


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