São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2010

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Editoriais

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Tela, rede, papel

Debate de candidatos pela internet expõe diferenças e o que há de complementar entre meios de comunicação que atuam no espaço público

Até meados do século 20, quando os comícios em praça pública e os discursos pelo rádio eram os instrumentos favoritos de contato entre candidatos e o eleitorado de massa, predominava um modelo "teatral", para não dizer circense ou operístico, na linguagem dos postulantes a algum cargo eletivo.
Os debates e entrevistas pela TV deram a medida de seu poder de influência a partir da década de 1960, nos EUA, com o célebre encontro entre Richard Nixon e John Kennedy, que consagrou não apenas as mensagens do jovem candidato democrata, mas também a importância da fotogenia, do estilo pessoal e dos recursos não-verbais de comunicação nas campanhas políticas.
Atrasado em mais de 20 anos nesse processo, em consequência da ditadura militar, foi só na década de 1980 que o Brasil passou a conviver com a associação entre política e linguagem televisiva. Dos primeiros e tumultuados debates entre candidatos às cada vez mais refinadas (e repetitivas) técnicas do marketing profissional, um longo ciclo foi percorrido.
Seria exagero dizer que se completou, ou mesmo que esteja entrando em declínio nas eleições de 2010. Mas é inegável que outros recursos tecnológicos aparecem em cena -e tendem, com o tempo, a alterar a própria conformação do processo político.
Organizado pela Folha e pelo UOL, o debate entre Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva desta última quarta-feira marcou uma data na história desses encontros públicos entre candidatos. Em vez de eventos levados ao ar uma única vez, expostos à atenção evanescente e rápida do meio televisivo, o debate veiculado pela internet pode ser facilmente revisto, esmiuçado e comentado ao longo do tempo.
Sobre cada promessa e pronunciamento, chovem então as checagens, contestações e comentários que, de modo mais geral, fazem da internet um veículo especialmente propício para elevar a temperatura das discussões políticas.
Na interatividade do meio, que lentamente se estende para outros fatores de vital importância na democracia (como por exemplo o financiamento das campanhas), há muito de positivo e de renovador. No imenso "acelerador de partículas" que é a internet, nem tudo tem carga positiva, entretanto.
A disseminação de boatos, fraudes e insultos de todo tipo é o sintoma mais visível de um processo no qual parecem formar-se públicos estanques, sectarizados, avessos à constituição de um âmbito de discussão comum. Posições sedimentadas são reiteradas ad nauseum anulando de alguma maneira a tão valorizada interatividade.
Há além disso, na internet, uma espécie de compulsão pela superfluidade e pelo entretenimento. Cabe ao jornal, seja na plataforma impressa ou na eletrônica, a manutenção do debate público plural e qualificado. O jornal sobretudo assume a função de potencializar, pela polêmica e pela crítica, a reflexão política, e a de assegurar a constituição de um espaço qualificado de divergência e consenso. De certa forma, TV, internet e jornalismo impresso complementam-se -como vai se observando, aliás, na atual campanha.


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