São Paulo, segunda-feira, 20 de setembro de 2004

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ANACRONISMO PENAL

É preciso que prospere a conversão em lei do projeto que retira do Código Penal alguns de seus anacronismos, como o crime de adultério e a expressão "mulher honesta". A proposta acaba de ser aprovada por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, mas vale lembrar que outras iniciativas análogas acabaram se perdendo nos escaninhos do Legislativo.
O Código Penal data de 1940. É, portanto, natural que de lá para cá tenham ocorrido transformações nos costumes, sobretudo no que diz respeito à moral sexual. A própria jurisprudência já se encarregou de tornar pouco usuais condenações por adultério ou com base em comportamentos que passaram a ter uma outra aceitação social.
O adultério, por exemplo, é matéria para o direito civil. É razoável que ele se constitua em motivo para a dissolução de um casamento, mas de maneira nenhuma justifica mandar a parte infiel e o co-réu para a cadeia.
Apesar dos avanços no campo dos costumes, a conjunção de um advogado vivaz com um juiz conservador por vezes produzia absurdos. Há casos de homens que se livraram recentemente da acusação de estupro fazendo com que a vítima se casasse com terceiro (art. 108).
A verdade é que, em matéria de moral sexual, o Código Penal é conservador até para os padrões da época. Freqüentemente uma suposta honra ou a virgindade da mulher se tornam mais importantes do que sua liberdade ou incolumidade física. São, afinal, vários os crimes que só se configuram se a vítima é "mulher honesta", isto é, casada ou virgem e também "decente", a crer na definição do penalista Nelson Hungria.
Desnecessário dizer que essa situação é incompatível com a atual realidade brasileira e com a própria Constituição de 1988, que estabelece a plena igualdade em direitos e deveres entre homens e mulheres. Enquanto não vem uma reforma de verdade do Código Penal, é preciso pelo menos eliminar-lhe os anacronismos mais gritantes.


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