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JOÃO SAYAD
Um quarto de 1%
O regime de metas de inflação é
uma forma educada de falar.
O Banco Central tem poderes ilimitados para fixar juros e determinar a
disponibilidade de crédito doméstico,
a taxa de câmbio e o desemprego da
economia. Entretanto carece de legitimidade política.
O regime de metas de inflação dá
uma aparência aceitável ao poder soberano do Banco Central. É a homenagem que o dinheiro presta à democracia (assim como a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude). O regime de metas de inflação é
um rito de legitimação.
Primeiro, apresenta a decisão sobre
os juros como "científica". Três equações prevêem qual será a inflação futura a partir da taxa de juros fixada hoje pelo Copom. O Copom é composto
por diretores do Banco Central e ninguém mais, como os únicos responsáveis e autorizados a interpretar o modelo. Baseado em equações, a decisão
se torna "científica" e inquestionável.
Depois, reproduz a liturgia religiosa.
Reúne-se, em geral, na terceira quarta-feira de cada mês (como muitos
dias santos de guarda -40 dias depois da Páscoa). A reunião é registrada em ata e divulgada alguns dias depois. Os mercados fazem a exegese da
ata.
O regime é adotado em nome da
transparência das decisões. Mas disfarça o caráter discricionário da decisão, que pode determinar os juros
dentro de uma ampla faixa de valores.
Não há nada de errado com isso tudo. Nem as observações acima devem
ser consideradas irônicas. Poder exige
liturgia. Inclinamo-nos diante dos
reis, que carregam um cetro na mão
direita e usam coroa.
O que está errado é confundir ciência e realidade ou se tornar escravo da
liturgia. Liturgia e modelo foram criados para que a decisão do Banco Central ganhe legitimidade. Mas a legitimidade depende mais da sabedoria
das autoridades monetárias e do reconhecimento que instituições são tão
importantes quanto frágeis.
Sendo forma de falar, deveria ser
parcimoniosa. Na semana passada, o
Banco Central esperava que os
"spreads" bancários caíssem. Ora, se
os "spreads" caíssem, o que o Banco
Central tenta fazer -reduzir a demanda com juros altos- seria desfeito pelos bancos, que cobrariam juros
menores. Se viesse a acontecer, os juros altos seriam apenas um estorvo
para os contribuintes que os pagam e
inócuo para combater a inflação.
Com a falação, os juros não se reduzem para que fique bem clara a soberania do Banco Central. A decisão do
Banco Central acaba por revelar, sem
pudor, o que o regime de metas de inflação queria disfarçar. O aumento de
juros da semana passada, ainda que
irrelevante, um quarto de 1%, custou
R$ 300 milhões por ano. Rito e ciência
não conseguem legitimar decisão tão
cara.
Mágicos são proibidos de revelar os
segredos das mágicas. Médicos não falam dos placebos. Economistas não
deveriam falar da fragilidade do seu
conhecimento, principalmente sobre
inflação. Junto-me à falação por receio
que o regime, como vem sendo administrado, perca legitimidade. E, no
momento, ele é imprescindível.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@attglobal.net
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