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Fome de solidariedade
JOSIAS DE SOUZA
São Paulo - A maior fatalidade da
era pós-industrial é a fome. Pode-se
objetar que a fome sempre existiu.
Sim, de acordo. A fome é mesmo antiga como o tempo. Mas ela não comove
mais, eis a novidade. O mundo tem
solidariedades mais urgentes.
A ONU acaba de divulgar relatório
sobre pobreza. Contaram-se 840 milhões de pessoas subnutridas no mundo -160 milhões são crianças. Há 50
anos, 2,3 bilhões de seres humanos dividiam a Terra sob o sol. Havia 400
milhões de pobres (17,3% do total).
Hoje, somos 5,7 bilhões. Há 1,3 bilhão
de pobres (22,8%); pessoas que sobrevivem (!) com menos de US$ 1 por dia.
Fez-se em torno dos dados da ONU
um silêncio vil. A fome continuou
adormecida nas curvas do intestino de
quem a sente. O mundo tem solidariedades mais urgentes. Como ter olhos
para tripas vazias se o baht, a moeda
da Tailândia, continua sujeito a ataques especulativos? Como?
O Instituto Internacional para Estudos Estratégicos, de Londres, também
acaba de divulgar estudo sobre gastos
com armas no mundo. Em 95, o comércio de armamentos movimentava
US$ 36,9 bilhões. Em 96, torraram-se
US$ 39,9 bilhões em armas. Com US$
40 bilhões seria possível, segundo a
ONU, levar serviços de saúde, água
potável e planejamento familiar aos
miseráveis do mundo.
Com outros US$ 40 bilhões se poderia arrancar as famílias miseráveis da
penúria. O mundo, porém, tem solidariedades mais urgentes. Como velar
pela saúde dos pobres antes que o apetite das três maiores indústrias bélicas
do planeta -EUA, Reino Unido e
França- esteja saciado? Como?
Ah, a fome dos dias que correm empolga menos do que jogo do Fluminense, menos do que partida do Corinthians. As estatísticas estão aí apenas para lembrar que, sob a casca dos
mercados pujantes, sobrevive o mesmo
mundão sujo, podre e vergonhoso de
sempre. Um mundão que come lucro e
arrota insensatez. Um mundão faminto de solidariedade.
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