São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2004

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ALIANÇAS HETERODOXAS

Enquanto o ex-prefeito Paulo Maluf vai sendo processado sob acusação de improbidade administrativa e evasão de divisas, a prefeita Marta Suplicy concentra seus ataques em Gilberto Kassab (PFL-SP), candidato a vice da chapa do tucano José Serra na disputa pela Prefeitura de São Paulo. A propaganda petista insiste na associação entre Kassab e o ex-prefeito Celso Pitta, de quem o político do PFL foi "poderoso" secretário e "braço direito".
A estratégia, cujos resultados até aqui parecem parcos, faria mais sentido se o próprio Maluf, padrinho político de Pitta, não tivesse declarado seu apoio à prefeita, na seqüência de entendimentos travados nos bastidores com o PT. Não é demais relembrar que outra importante peça na construção do engodo que acabou por suceder Maluf na prefeitura no período 1997-2000, como já observou o candidato Serra, foi o publicitário Duda Mendonça, hoje responsável pela campanha petista.
Nada disso, por certo, faz de Kassab um vice melhor, nem deixa o candidato tucano e seu partido a salvo de críticas. Também o PSDB cortejou Maluf durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e a candidatura Serra, que segundo as pesquisas é a principal herdeira dos votos malufistas, já havia dado sinais de que acolheria de bom grado um eventual apoio do ex-prefeito no segundo turno. As acusações, portanto, de ambas as partes, em torno de relações com Maluf e Pitta, não transcendem o terreno do marketing e da hipocrisia eleitoral.
O que chama a atenção e desperta apreensões é o fato de que alianças e apoios pouco convencionais, como no caso de Marta e Maluf, não são exclusividade paulistana, mas uma característica de diversos outros pleitos municipais e da política federal.
A novidade, quanto a isso, é que o PT se tornou um grande artífice desse emaranhado político ao trocar de modo abrupto a sua antiga cautela na escolha de aliados e apoios por um realismo desenfreado, que não faz restrições nem a adversários históricos e lança mão do fisiologismo com despudorada desenvoltura.
O petismo, em sua ânsia de ocupação política e na persistente tentativa de exercer amplo controle sobre os instrumentos de poder ligados à máquina pública, não hesita em atirar no lixo preocupações que pareciam corresponder a princípios sólidos, mas que, vistas em perspectiva, podem ser consideradas meramente "táticas", ou seja, como algo de interesse transitório com vistas a criar uma imagem diferenciada e acumular forças para atingir o objetivo "estratégico" de conquistar o governo federal e tentar consolidar-se como partido hegemônico.
Se o PT, desde sua fundação, constituiu-se num dos principais responsáveis pela saudável introdução de diretrizes mais rigorosas e coerentes na política brasileira, sua recente ascensão ao Planalto vai tratando de desmoralizar o esforço anterior e de borrar ainda mais o já pouco definido espectro partidário do país -o que só pode ser visto como um lamentável retrocesso.


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