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CLÓVIS ROSSI
Fantasmas
LISBOA - Junto com as fotos supostamente de Vladimir Herzog, morto
sob tortura em dependências do
Exército em São Paulo, faz quase 30
anos, outro fantasma é posto a circular na forma de uma mentalidade
equivocada e perigosa.
Refiro-me ao trecho da nota oficial
do Exército em que se afirma que "as
medidas tomadas pelas Forças Legais
foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo,
optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de
pegar em armas e desencadear ações
criminosas".
Não é bem assim. Que um governo
mate em combate quem pretenda
derrubá-lo pode-se até aceitar como
legítimo, ainda que o governo não tivesse legitimidade de origem.
Mas o que aconteceu no Brasil, nos
anos de chumbo, foi muito além de
combates entre dois grupos que pretendiam, um, manter o poder, o outro, conquistá-lo. Matar e morrer é
decorrência dessa situação. Lamenta-se, mas entende-se.
O que não é legítimo é torturar e
matar prisioneiros como Vladimir
Herzog. Nem importa, no caso, que
não haja prova alguma de que ele
"pegou em armas e desencadeou
ações criminosas". Ainda que o tivesse feito, depois de detido, o Estado e
suas instituições teriam, ao contrário,
que zelar pela sua integridade em vez
de destruí-lo.
A sobrevivência dessa mentalidade
de legitimação do ilegítimo é tanto
mais triste quando se sabe que foi justamente na institucionalização da
democracia que o país mais avançou
nos últimos anos.
Há até analistas ilustres que, apesar
do marasmo econômico e do escasso
avanço social, rejeitam o rótulo de
"décadas perdidas" para as duas últimas, justamente porque o país ganhou em democracia.
O fantasma da instabilidade institucional e da anarquia militar, tão
bem retratado nos livros do jornalista Elio Gaspari, está fora de moda.
Caberia ao próprio Exército dar-lhe
enterro digno, e não exumá-lo.
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