São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Cego no tiroteio

Os dramáticos erros cometidos pelo Banco Central e pelo mercado nas estimativas de inflação do mês de setembro (67% no IGP-DI; 52% no IPCA; 32% no IGP-M e 90% no IPC-Fipe) mostram que é preciso levar mais a sério as críticas que têm sido feitas aos mecanismos de coleta das "expectativas" que ele usa para manobrar a taxa Selic. A taxa Selic e a "expectativa de inflação" influenciam a curva de juro e, portanto, também o que o Tesouro paga pelas LTNs. Quando o Banco Central eleva a taxa Selic porque "acredita" que há uma probabilidade de um aumento de inflação daqui a seis ou nove meses, a curva se desloca para cima e o Tesouro começa a pagar hoje o aumento de juros estabelecido nos leilões das LTNs, que é um "plus" sobre o aumento de dispêndio com os papéis indexados em Selic. Foi assim que as LTNs pagaram, em setembro, 80 pontos a mais do que haviam pago no último leilão.
Antes de prosseguirmos, é preciso afastar a idéia de que existe um complô entre o Banco Central e o sistema financeiro para obter maiores lucros. O problema é mais profundo e envolve uma questão tecnicamente delicada: como é possível obter uma estimativa estatisticamente não viezada da "expectativa inflacionária"? Em primeiro lugar, é óbvio que estimar a distribuição das "expectativas" dos agentes do mercado e calcular a sua média, a sua moda ou a sua mediana só produziria o resultado esperado em duas condições:
1º) Cada agente construiria a sua própria capacidade prospectiva. Trata-se de questão de fato: da relação entre oferta e procura nos mercados onde os preços se formam livremente e que tendem a antecipar as dificuldades do equilíbrio (estacionalidade, meteorologia, gargalos acidentais, etc.). A isso se acrescentariam os preços "controlados". Isto é, cada agente estabeleceria, independentemente, sua opinião "bem informada" sobre o que espera de inflação no futuro próximo e
2º) Os agentes não coordenariam suas estimativas. A apuração seria feita numa única rodada. A "expectativa" não viezada seria extraída da sua distribuição e dos seus parâmetros de localização e dispersão. Como é óbvio, e como acontece em toda "medida física", a "expectativa de inflação não viezada" não seria um ponto, mas um intervalo, que depende da sua dispersão.
O mito de que uma instituição (no caso o "maestro" Alan Greenspan) ou o "mercado" poderiam substituir tal método foi totalmente desmoralizado nos últimos anos. No caso brasileiro, a situação é ainda mais grave, pois existe endogamia entre o Banco Central e o sistema financeiro e todos coordenam suas "expectativas". Como ninguém quer errar muito (o erro para os analistas privados custa a redução do valor de suas assessorias), também a dispersão é viezada. No passado, os bancos e as empresas empregavam fortes recursos para "adivinhar" as taxas de inflação, porque isso lhes trazia bons lucros. Esse desperdício de recursos, felizmente, foi eliminado a partir de 1996.
O Banco Central é o cego no meio desse tiroteio. O pior é que ele sempre acerta o Tesouro Nacional...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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