São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Paixão segundo Sabino

RIO DE JANEIRO - Boa a repercussão da morte de Fernando Sabino na imprensa. Mais que merecida. Contudo, na maioria das notas publicadas, houve a reincidência de uma crítica profundamente injusta ao fato de Sabino ter escrito um livro cujo personagem principal era a ex-ministra Zélia Cardoso de Melo.
Na ocasião, atribuíram ao escritor a intenção de ganhar dinheiro com um tema badalado. Acontece que os direitos autorais do livro foram doados a uma entidade, da mesma forma que o Prêmio Machado de Assis, que Sabino recebeu pelo conjunto de sua obra, em 1999, também foi doado a uma associação que cuida, se não estou enganado, do menor carente.
O que magoou Sabino e seus amigos não foi isso. A imprensa em geral, e a crítica em especial, malharam o livro por ter dado dimensão literária ao caso de amor vivido pela ex-ministra, já nos estertores do governo Collor.
Nada mais injusto e obtuso. Sabino sentiu naquele drama matéria de romance da vida real, do cotidiano que todos vivemos e no qual ele sempre se inspirou para sua obra de romancista e cronista. Nenhum propósito de bajulação. Quem conheceu Sabino ficou perplexo com a insinuação descabida, levantada por alguns críticos e resenhistas.
Muito menos uma defesa da gestão de Zélia no Ministério da Fazenda, que incluiria a defesa do confisco da poupança que tanto irritou o país inteiro. O livro de Sabino tem como ponto de partida e chegada a história da moça solteira e bonita que se apaixona por um homem mais idoso e casado. E paga um preço bem alto pela sua paixão. Paixão que pode ser vivida por uma comerciária, uma secretária, uma recepcionista e, por que não?, por uma ministra de Estado.
Sabino trairia a sua condição de romancista se, ao captar a matéria que a vida nacional lhe oferecia, deixasse de escrever o que sentia e queria. E o fez, como sempre, com alta qualidade literária.


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