São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2010 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Um processo nocivo ao desenvolvimento JOSÉ DIRCEU
Nossas empresas estatais sempre tiveram o papel crucial de estruturar inúmeros setores da economia. Essa relevância é inerente à formação das nossas instituições públicas. Ao longo da história, o Estado brasileiro foi forjado com a importância de empresas públicas do quilate de, por exemplo, Petrobras, CSN, Telebrás, Eletrobras, Light, Vale, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios e BNDES. E foi com o dinheiro da Previdência dos trabalhadores que esse patrimônio público foi construído. O fortalecimento dessas estatais foi resultado de décadas de investimento. Com as privatizações, esse patrimônio, que demorou gerações para se consolidar, foi simplesmente entregue às mãos de particulares -em sua maioria, estrangeiras. E é a gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que impulsiona as privatizações, em um processo mal planejado, mal conduzido e mal executado. Se havia a necessidade de melhorar os serviços, vender os ativos da União não era o único caminho, como se buscou cristalizar sob égide neoliberal. A crise mundial mais grave dos últimos 80 anos tem como um dos saldos a importância de instrumentos estatais para atuar na economia. Afinal, não fosse a ação do governo Lula, teríamos sucumbido a essa crise como aconteceu nas anteriores; o governo Lula demonstrou ser possível dinamizar, valorizar e ampliar a eficiência das estatais. A venda de empresas públicas foi marcada, no Brasil, pelo ônus legado à sociedade. O processo foi patrocinado com dinheiro emprestado pelo BNDES, que poderia ter sido revertido em modernização e saneamento das mesmas estatais comercializadas a preços vergonhosos. Ora, a privatização do setor elétrico foi um verdadeiro vexame. Já em 1996, um ano após os leilões, o Instituto de Defesa do Consumidor denunciava os abusos nas tarifas -40% maiores. Desde então, tiveram reajuste sempre acima da inflação. E essa conta salgada não evitou a grave crise do "apagão". Imagine se estivéssemos crescendo, naquele período, no ritmo projetado para os próximos anos. Mas os problemas se espraiam por todos os setores. Como sustentar a venda da Vale, que havia lucrado R$ 13,4 bilhões um ano antes de sua privatização, mas que foi leiloada, na época, por irrisórios R$ 3,3 bilhões? Os que defendem as privatizações usam como escudo a telefonia. Mas os inegáveis avanços, especialmente da telefonia móvel, devem-se não só aos investimentos privados mas também ao desenvolvimento tecnológico e de escala. É necessário registrar que, segundo os dados da UIT (União Internacional de Telecomunicações), os serviços celulares no país têm a tarifa mais alta entre emergentes. A universalização do serviço de voz fixo não se completou pelo fato de os brasileiros de baixa renda não poderem pagar pelo serviço. No setor de telecomunicações, o processo foi marcado por dois erros graves. Desconsiderou-se totalmente a política industrial, o que levou praticamente ao aniquilamento das empresas nacionais e ao desestímulo ao investimento em pesquisa e desenvolvimento, só retomado no governo Lula. O segundo erro foi privatizar a Embratel e, com ela, o sistema brasileiro de satélite, o Brasilsat, de tal forma que, hoje, o país tem seus dados militares e estratégicos hospedados em satélites estrangeiros, vulnerabilidade esta que precisa ser corrigida. Os privatistas de FHC e Serra, de fato, apostaram em uma economia baseada na inserção subordinada aos grandes centros financeiros, ao custo de nosso patrimônio público. O governo Lula interrompeu esse processo, abrindo caminho para a recuperação do Estado como o indutor de um modelo de desenvolvimento sustentado e soberano. JOSÉ DIRCEU, 64, é advogado e membro do Diretório Nacional do PT. Foi ministro-chefe da Casa Civil (governo Lula) e presidente do PT. Teve seu mandato de deputado federal pelo PT-SP cassado em 2005. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: Antonio Delfim Netto: A China e os outros Próximo Texto: Daniel Sottomaior: Ateísmo e cidadania Índice | Comunicar Erros |
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