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CIPOAL LEGISLATIVO
A herança cartorialista ibérica
nos legou a indisfarçável tendência de tentar resolver toda e qualquer dificuldade que se interponha
em nosso caminho editando uma lei
ou baixando um decreto. A estratégia, é claro, não apresenta os resultados esperados, do que dá por fé a miríade de problemas com os quais o
país convive há 500 anos.
O pior é que ninguém se lembra de
revogar a profusão de normas quando o problema deixa de existir ou
quando as regras são superadas por
novas leis ou mesmo pela sucessão
de Constituições -já estamos na sétima. O resultado é um cipoal legislativo frondoso e freqüentemente contraditório, paraíso para advogados
dispostos a protelar um processo.
Nesse contexto, é mais do que
oportuna a iniciativa da Câmara Municipal de São Paulo de promover
uma consolidação da legislação da
cidade. Nesta semana, na primeira
etapa do processo, foram extintas
3.680 leis aprovadas entre 1892 e 1947
que já não faziam sentido. Foram revogadas normas como a de 1896 que
obrigava a "assignalar nos cemitérios municipaes as sepulturas dos
criminosos celebres".
Seria útil se empreendimentos de
mesmo teor fossem estendidos para
outras cidades e ampliados para os
níveis estadual e federal. Como já observava Tácito nos primeiros séculos
de nossa era, "Corruptissima res publica, plurimae leges" (o mais corrupto dos Estados tem o maior número de leis).
Mais importante do que promover
esses necessários mutirões, porém, é
criar mecanismos permanentes que
evitem o acúmulo de normas ultrapassadas. Algumas soluções são inquietantemente simples. Por que em
vez de apenas escrever "revogam-se
as disposições em contrário" ao pé
de cada peça legislativa vereadores,
deputados e senadores não indicam
explicitamente quais as leis que deixam de valer no todo ou em parte?
Também o controle constitucional
carece de aprimoramento. Quando o
Supremo Tribunal Federal, no curso
do julgamento de um caso concreto,
considera uma dada norma inconstitucional, ele comunica o fato ao Senado, pedindo que a lei seja suspensa. Só que, normalmente, o Legislativo nada faz. Mesmo quando a lei é
julgada inconstitucional numa ação
direta de inconstitucionalidade (controle abstrato), não é raro que a norma permaneça em vigor, dando a juízes singulares a possibilidade de não
acompanhar o juízo do STF.
Espera-se que a introdução do chamado efeito vinculante, que obriga
cortes inferiores a seguirem a interpretação do Supremo em certos casos, sirva para minorar efeitos mais
perversos dessa distorção. É necessário, porém, avançar mais.
O ideal seria que abandonássemos
a idéia de que toda dificuldade social,
política ou econômica pode ser contornada com golpes legislativos, mas
isso parece ser pedir demais. Contentemo-nos com mutirões como o
da Câmara paulistana. Espera-se
apenas que ninguém tenha a idéia de
andar pelas ruas de São Paulo num
carro de boi, proibição que deixou de
vigorar após 111 anos.
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