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Confusão legal
Desfecho do caso Cesare Battisti cria anomalia institucional e projeta insegurança jurídica para as extradições futuras
A DESASTRADA decisão do
ministro da Justiça,
Tarso Genro, de conceder refúgio ao terrorista italiano Cesare Battisti -condenado em seu país por quatro
homicídios- acabou por desencadear uma reviravolta no modo
como o Brasil trata pedidos para
extraditar estrangeiros. O resultado é uma anomalia institucional que projeta confusão e insegurança jurídica para o futuro.
Ao sustentar o refúgio, o ministro da Justiça imputou à Itália
"fundados temores de perseguição política" contra Battisti. Para
Genro, uma democracia estável
desde o final dos anos 1940, com
Judiciário independente, seria
incapaz de garantir o cumprimento adequado de sentenças
transitadas em julgado.
Expedido o refúgio, a lei específica, de 1997, manda cessar o
trâmite dos pedidos de extradição. Mas outra norma, o Estatuto
do Estrangeiro, de 1980, atribui
exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal decidir se um crime imputado a um extraditando
é político -hipótese em que o
Brasil não permite a extradição.
Ora, Tarso Genro concedeu o
refúgio por avaliar que os crimes
pelos quais o italiano foi condenado eram políticos: havia, portanto, um conflito de competências. O Supremo, que já havia ensaiado dirimir essa dúvida num
caso precedente, decidiu fazê-lo
por ocasião do juízo de Battisti.
Por margem de um voto, o plenário desqualificou os argumentos de Tarso Genro, anulou o refúgio, refutou a tese dos homicídios políticos e julgou procedente a extradição. A maior novidade viria a seguir: o ministro Ayres
Britto mudou de lado e juntou-se
aos colegas antes derrotados para estabelecer que é do presidente da República a última palavra,
nesta e em todas as outras extradições daqui por diante.
Não se trata, é importante notar, de autorizar o chefe do Executivo a recusar ou adiar a entrega de Battisti à Itália nos casos já
previstos nas leis e no tratado de
extradição com o Brasil -já é do
presidente, por exemplo, a faculdade de aguardar o término do
processo ao qual o estrangeiro
responde aqui, por falsificação
de documentos. O Supremo diz,
simplesmente, que Lula não está
obrigado a cumprir a extradição.
Pode recusar-se a entregar o extraditando num ato de pura, e ilimitada, discricionariedade.
Num passe de mágica, transfere-se a instância julgadora da extradição -papel que a Constituição reserva ao Supremo- para a
Presidência da República. A corte máxima de repente se torna
um órgão meramente consultivo
nessa matéria, contrariando sua
tradição centenária de decidir as
questões, produzindo efeitos necessários de suas manifestações.
O inusitado é tamanho que
nem sequer o Planalto -sequioso por consumar a ação entre
amigos iniciada por Genro- sabe reagir. Como manter um estrangeiro cujo status de refugiado foi cassado na Justiça? Como
justificar politicamente um ato
que contraria o Supremo? Como
impedir a entrega de Battisti sem
desmoralizar o tratado de extradição entre Brasil e Itália?
A obsessão do governo de atender a um pequeno mas ruidoso
lobby de militantes de esquerda
já nos custou demais. Os amigos
de Cesare Battisti têm todo o direito de pleitear o relaxamento
de sua prisão. Mas que o façam
no lugar certo -na Itália que o
julgou e condenou. É para lá que
Lula deveria transferir o terrorista, respeitando a vontade da
maioria do Supremo.
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