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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve-se instituir uma contribuição social para o ensino superior?
NÃO
A educação é bem público
WRANA PANIZZI
O financiamento da educação
superior desafia não o governo,
mas a sociedade brasileira. Desse ponto
de vista, a proposta apresentada pela
deputada Selma Schons deve ser amplamente analisada e debatida, pois trata
de tema de grande relevância.
Minha divergência de fundo com a
cobrança de "contribuição social", através de alíquota do Imposto de Renda, de
diplomados da rede pública de educação superior diz respeito à ameaça que
isso representaria para a educação como bem público. A proposta, de fato,
põe fim ao princípio da gratuidade do
ensino, transferindo o compromisso
com o financiamento da educação da
sociedade para os indivíduos.
A universidade moderna é o resultado
de uma longa construção histórica. Ela
consolidou-se e ganhou legitimidade
como instituição precisamente por se
mostrar capaz de transmitir e de produzir conhecimento. A universidade, portanto, deve necessariamente associar
ensino, pesquisa e extensão, e uma instituição assim certamente demanda altos investimentos.
As nações que mais investem em suas
universidades são, não por acaso, as
mais desenvolvidos do planeta -aliás,
ao ingressarmos na sociedade do conhecimento, acentua-se a hegemonia
por elas exercida no cenário internacional. Essas nações há muito compreenderam que é impossível "vender" a educação e o conhecimento pelo valor que
de fato têm. Isso custaria tão caro que
nenhum estudante conseguiria pagar. A
formação estritamente profissional,
embora tenha enorme importância social, é apenas uma das tantas atividades
realizadas pela universidade.
Com base nos princípios do mérito e
da liberdade acadêmicos, a universidade produz conhecimento, ciência, tecnologia, arte, cultura, identidade, riqueza material e valores que não beneficiam só o diplomado, mas a sociedade.
Essa obra não pode e não deve ser financiada por indivíduos, mas pelo conjunto da sociedade. Uma nação que se quer
soberana não pode e não deve abrir
mão dos critérios do mérito e da liberdade acadêmicos como únicos admissíveis na vida universitária. Por isso, e não
por qualquer outra razão, as melhores
universidades do mundo são públicas.
Não precisamos ir longe. Basta olhar
para o nosso Brasil: apesar das restrições financeiras e dos baixos salários, as
universidade públicas continuam sendo referência de qualidade para o sistema nacional de educação superior. Tenho a absoluta convicção de que isso
acontece porque ali prospera a educação como bem público.
Além dessa divergência de fundo, a
proposta da deputada Selma Schons,
caso aprovada, geraria grandes e indesejáveis distorções. Por exemplo, na
medida em que os recursos arrecadados
fossem depositados nas contas das universidades de origem do diplomado, as
maiores e mais antigas universidades,
precisamente aquelas localizadas nas
regiões mais bem servidas pela educação superior, tenderiam a abocanhar a
maior fatia do bolo. Aumentariam, assim, as nossas já graves desigualdades
regionais no que se refere à formação
superior e à pesquisa.
A inclusão de alunos de pós-graduação na proposta parece-nos outra fonte
de dificuldades operacionais e de injustiça. Um aluno graduado em uma universidade pública e pós-graduado em
outra contribuiria em dobro e para as
duas instituições? Por outro lado, sabemos que programas de pós-graduação,
faculdades e universidades privadas recebem volumosos subsídios públicos.
Se um estudante de pós-graduação diplomado por uma universidade pública
for obrigado a pagar a "contribuição social", o que se cobrará do aluno de uma
universidade privada que concede bolsas e isenção de taxas por conta de dinheiro público? Ou o estudante que, por
mérito, ingressa em uma universidade
pública seria "penalizado" por isso?
O financiamento da educação superior no Brasil é, em primeiro lugar, um
problema político. Ele precisa ser enfrentado com coragem e urgência. O encaminhamento de soluções para esse
grave problema demanda, antes de
mais nada, a construção de um novo
pacto universitário e a definição de um
novo marco regulatório para o sistema
nacional de educação superior. Feito isso, cabe à sociedade brasileira decidir
se, como acontece nas nações mais desenvolvidas, ela quer se prover de um
sistema universitário republicano de alto nível, capaz de formar profissionais e
cidadãos e, principalmente, capaz de
contribuir de maneira decisiva para o
desenvolvimento do país.
É tradição em muitos países tomados
frequentemente como "exemplo" para
a educação superior brasileira a doação
de significativos recursos às universidades por parte de indivíduos e empresas.
Fica aqui uma sugestão: por que o Congresso não regulamenta, finalmente, o
sempre adiado Imposto sobre Grandes
Fortunas e destina sua arrecadação ao
sistema público de educação superior?
Wrana Panizzi, 54, professora titular do Departamento de Urbanismo da UFRGS e reitora da
universidade, é presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Educação Superior).
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