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São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se instituir uma contribuição social para o ensino superior?

NÃO

A educação é bem público

WRANA PANIZZI

O financiamento da educação superior desafia não o governo, mas a sociedade brasileira. Desse ponto de vista, a proposta apresentada pela deputada Selma Schons deve ser amplamente analisada e debatida, pois trata de tema de grande relevância.
Minha divergência de fundo com a cobrança de "contribuição social", através de alíquota do Imposto de Renda, de diplomados da rede pública de educação superior diz respeito à ameaça que isso representaria para a educação como bem público. A proposta, de fato, põe fim ao princípio da gratuidade do ensino, transferindo o compromisso com o financiamento da educação da sociedade para os indivíduos.
A universidade moderna é o resultado de uma longa construção histórica. Ela consolidou-se e ganhou legitimidade como instituição precisamente por se mostrar capaz de transmitir e de produzir conhecimento. A universidade, portanto, deve necessariamente associar ensino, pesquisa e extensão, e uma instituição assim certamente demanda altos investimentos.
As nações que mais investem em suas universidades são, não por acaso, as mais desenvolvidos do planeta -aliás, ao ingressarmos na sociedade do conhecimento, acentua-se a hegemonia por elas exercida no cenário internacional. Essas nações há muito compreenderam que é impossível "vender" a educação e o conhecimento pelo valor que de fato têm. Isso custaria tão caro que nenhum estudante conseguiria pagar. A formação estritamente profissional, embora tenha enorme importância social, é apenas uma das tantas atividades realizadas pela universidade.
Com base nos princípios do mérito e da liberdade acadêmicos, a universidade produz conhecimento, ciência, tecnologia, arte, cultura, identidade, riqueza material e valores que não beneficiam só o diplomado, mas a sociedade. Essa obra não pode e não deve ser financiada por indivíduos, mas pelo conjunto da sociedade. Uma nação que se quer soberana não pode e não deve abrir mão dos critérios do mérito e da liberdade acadêmicos como únicos admissíveis na vida universitária. Por isso, e não por qualquer outra razão, as melhores universidades do mundo são públicas.
Não precisamos ir longe. Basta olhar para o nosso Brasil: apesar das restrições financeiras e dos baixos salários, as universidade públicas continuam sendo referência de qualidade para o sistema nacional de educação superior. Tenho a absoluta convicção de que isso acontece porque ali prospera a educação como bem público.
Além dessa divergência de fundo, a proposta da deputada Selma Schons, caso aprovada, geraria grandes e indesejáveis distorções. Por exemplo, na medida em que os recursos arrecadados fossem depositados nas contas das universidades de origem do diplomado, as maiores e mais antigas universidades, precisamente aquelas localizadas nas regiões mais bem servidas pela educação superior, tenderiam a abocanhar a maior fatia do bolo. Aumentariam, assim, as nossas já graves desigualdades regionais no que se refere à formação superior e à pesquisa.
A inclusão de alunos de pós-graduação na proposta parece-nos outra fonte de dificuldades operacionais e de injustiça. Um aluno graduado em uma universidade pública e pós-graduado em outra contribuiria em dobro e para as duas instituições? Por outro lado, sabemos que programas de pós-graduação, faculdades e universidades privadas recebem volumosos subsídios públicos. Se um estudante de pós-graduação diplomado por uma universidade pública for obrigado a pagar a "contribuição social", o que se cobrará do aluno de uma universidade privada que concede bolsas e isenção de taxas por conta de dinheiro público? Ou o estudante que, por mérito, ingressa em uma universidade pública seria "penalizado" por isso?
O financiamento da educação superior no Brasil é, em primeiro lugar, um problema político. Ele precisa ser enfrentado com coragem e urgência. O encaminhamento de soluções para esse grave problema demanda, antes de mais nada, a construção de um novo pacto universitário e a definição de um novo marco regulatório para o sistema nacional de educação superior. Feito isso, cabe à sociedade brasileira decidir se, como acontece nas nações mais desenvolvidas, ela quer se prover de um sistema universitário republicano de alto nível, capaz de formar profissionais e cidadãos e, principalmente, capaz de contribuir de maneira decisiva para o desenvolvimento do país.
É tradição em muitos países tomados frequentemente como "exemplo" para a educação superior brasileira a doação de significativos recursos às universidades por parte de indivíduos e empresas. Fica aqui uma sugestão: por que o Congresso não regulamenta, finalmente, o sempre adiado Imposto sobre Grandes Fortunas e destina sua arrecadação ao sistema público de educação superior?


Wrana Panizzi, 54, professora titular do Departamento de Urbanismo da UFRGS e reitora da universidade, é presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Educação Superior).


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